Poems from <em>Moradas</em>
2020; Modern Humanities Research Association; Volume: 36; Issue: 2 Linguagem: Português
10.5699/portstudies.36.2.0248
ISSN2222-4270
Autores Tópico(s)Literature, Culture, and Criticism
Resumo248 António Franco Alexandre Moradas — I 9 sentado, meditado, ficarás, na poeira que os tiros levantaram, nas ruas devastadas contra o mar; com a sombra da luz a desenhar-te o perfil do perfil, imperceptível, em vasto chão ardido; a máquina, metálica, movendo os altos fios do tecto suspendidos sobre os surpresos dedos, não a pena: bebendo, pela tarde, o vinho fresco, o cigarro de sal oferecido pelo moço mais dócil e sombrio; ameaçando o céu, secreto, rindo talvez para poente, aonde vibram as lanternas do vento sobre a espuma; à mesa, o mais sereno, acorrentado, imóvel, mas movendo a mão do tempo, ausente, respirando a maresia. Moradas — II 8 estas são as minhas quintas, os meus rebanhos disfarçados de alcateia, as azinhagas que dão para o profundo anoitecer, aqui os armazéns, cheios de fértil escuridão, a grande colecção de colinas empacotadas e minúsculas nuvens que incham com a chuva dentro, e nenhum sino perturba este sossego, esta mistura que os corpos fazem, e desfazem na paisagem, e ainda as serpentes caminham a quatro patas, sem perigo algum, e a boca beijada é quente de cordas e laços, e o grande rio descia para a terra, o meu amor alimentava-se de pedras e sopro, possivelmente, e os filhos nasciam aos molhes, um por um. por uma fina folha entro na superfície dos sonhos coloridos, 249 Translated by Richard Zenith Dwelling Places — I 9 sitting there, meditated, you’ll remain in the dust that the shots kicked up, in the devastated streets facing the sea, with the light’s shadow drawing on the sprawling, burnt ground your profile’s indiscernible profile. the metallic machine moves the wires that hang from the ceiling down to your startled fingers, not your pen. drinking cool wine in the afternoon and smoking a salty cigarette offered by the shyest, gloomiest lad, in secret you threaten the sky, laughing perhaps towards the west where the winds’ lights flutter over the foam; chained to your desk, the calmest of men, immobile but moving the hand of time, absent, breathing the smell of the tide. Dwelling Places — II 8 these are my fields, my flocks disguised as wolves, the footpaths that lead into deep twilight; here are my storehouses, full of fertile darkness, my vast collection of packaged hills and minuscule clouds that swell with rain, and no bell disturbs this calm, this medley made and unmade by the bodies on the landscape, and snakes still walk on four legs, perfectly harmless, and kissed lips are warm with ropes and knots, and the great river flowed down and over the land, my love fed on stones and breath, perhaps, and slews of children were born, one by one. by a smooth, thin leaf I slip into the plane of coloured dreams, 250 os cães açoitados, ladram aos pés do caçador, estes são os campos que ardem para quem tem dois olhos na cabeça, a mesa, o guardanapo sobre o prato, o certo limite. 13 ir ser como todos os outros era uma tarefa imprevisível, um labor minuciosamente distraído, precisávamos de armas, de bancos, de assaltos a navios voando com as cores do panamá, construímos casas, canais por onde a água se levanta até à boca dos antepassados, castelos, moradas onde as crianças desaparecem para nunca mais, e passam a vestir bombazina, e a ter amores perfeitos na gola do casaco, enquanto o ogro os saboreia. ele dizia, estes são os mais belos animais, o presente a que aspiro quando for rei. e quando se quebrar a ânfora, que trouxe ao meu parecer tão duvidosa eternidade, serei feliz, generoso com a minha pobreza. agora fico indeciso entre um e outro, ou o fantasma de permeio, o tédio de antigamente. se vestir gabardine fico de pessoa completo, civil, esguio, laico quanto baste. o prazer possível não me deixa viver tranquilo. vou deixar este negócio de acreditar, não acreditar, vou ser todo igual, definitivamente outro. Moradas — III 12 digam que amei, na...
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