Artigo Produção Nacional

Desafios do mercado de infraestrutura

2018; Volume: 2; Issue: 5 Linguagem: Português

10.48143/rdai/05.ibejioab

ISSN

2675-9527

Autores

Fábio Luiz Lima de Freitas, Charles M. Schramm, Fernando Burattini, Virgílio Lopes,

Tópico(s)

Education and Public Policy

Resumo

Nosso tema deste Painel1 são os desafios do mercado de infraestrutura. Enormes desafios. O país vem de uma grande crise, nós começamos a ver uma luz no fim do túnel, mas a infraestrutura ainda é um elemento fundamental para viabilizar o desenvolvimento sustentável e de longo prazo do país. Não aquele voo de galinha, aquele desenvolvimento de curto prazo, mas um desenvolvimento sustentável, que se sustente em percentuais razoáveis para que o país possa atingir um nível econômico, social, dentro das capacidades e do que o país e suas imensas riquezas podem oferecer. O nosso governo atual ainda tem um ano e três meses até a próxima eleição; ele enfrenta um enorme desafio político, mas uma coisa eu acho que é um sentimento, uma percepção majoritária. O governo vem tomando medidas, muitas medidas, em matéria de infraestrutura. Certamente existem críticos a elas, mas se o mercado puder medir razoavelmente a qualidade dessas medidas, ele vem recebendo-as de forma muito positiva. Nós vemos isso não somente na apreciação das ações em Bolsa de Valores, vemos isso no interesse crescente dos investidores estrangeiros pelo país; vemos isso numa série de oportunidades que se abrem em infraestrutura e energia, algumas delas que não surgiam já há muitos anos. Tivemos, neste mês passado, setembro, importantes licitações, leilões de hidrelétricas no país com uma competição bastante importante, investimentos estrangeiros, tanto de empresas que já conheciam, já atuavam há muitos anos no Brasil, que é o caso da Engie, antiga Suez, e da Enel, quanto de novos entrantes, como foi o caso da China State Power, a SPIC, com investimentos de mais de sete bilhões em uma das usinas hidrelétricas. E no mesmo mês, na verdade no mesmo dia 27 de setembro, tivemos novas rodadas de licitações de blocos de produção e exploração de petróleo que já não eram licitadas, leiloadas há muitos anos. Isso vem despertando o interesse do mercado, a percepção é positiva. De uma maneira geral – e o nosso escritório de advocacia é um bom termômetro disso, porque vemos os clientes demandando mais trabalho, iniciando novos projetos, manifestando interesse de investir no Brasil – a economia brasileira já vê algum sinal de recuperação ainda modesto, gradual, mas, sem dúvida, a infraestrutura é um fator chave. Eu vou começar passando a palavra para os dois palestrantes. Primeiro, para o Doutor Fábio Luiz de Freitas, que é um representante do Governo, do Ministério de Transportes, Diretor do Departamento de Parcerias. E ele, melhor do que ninguém, pode discutir alguns dos desafios e soluções bastante criativas e, acima de tudo, pragmáticas, que esse governo vem tomando para superar problemas e para viabilizar novos investimentos no setor de transportes e logística. Na sequência, vou passar a palavra para o Doutor Fernando Burattini, Diretor Jurídico da Federação Nacional dos Operadores Portuários, que, por sua vez, também vai focar em desafios, oportunidades, mais especificamente no setor portuário. E, depois, eu convido a todos, certamente eu vou ter novas considerações e perguntas aqui a dirigir aos palestrantes, mas desde logo eu convido a todos vocês que anotem suas questões e, após a apresentação dos dois colegas, tragam suas considerações, comentários, críticas, para que a gente possa ter uma discussão bastante proveitosa. Esse é o propósito do nosso evento de hoje. Então, sem mais, passo a palavra ao Doutor Fábio de Freitas e peço que faça suas considerações, apresentação, entre 10 e 15 minutos para que, depois, tenha tempo não só para o Doutor Fernando, mas também para uma discussão com todos que tenham comentários ou perguntas a formular. Fábio Luiz Lima de Freitas (Diretor do Departamento de Parcerias do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil) Até já me desculpo, de antemão, porque eu não sou advogado, eu sou formado em Administração e Marketing, mas milito na área de Infraestrutura desde 2007, que virou uma verdadeira paixão; como eu diria na Bahia, que é a minha terra, “virou uma cachaça”, virou um estilo de vida. Então, me apaixonei por este tema e dedico minha atividade profissional a ele desde então. Fui convidado a iniciar no Ministério dos Transportes em 2014, na época como Diretor de Concessões Rodoviárias e Ferroviárias, e com a reestruturação do Ministério dos Transportes fui convidado a assumir a diretoria de Parcerias, que engloba todas as parcerias públicas e privadas que dizem respeito à infraestrutura do país: portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Sobre os dados, inicialmente aqui comentados, a gente tem algumas avaliações internas que, para manter o patrimônio que o Brasil tem hoje de infraestrutura, seria necessário investir algo em torno de 3,5% do PIB. Só para manter o que temos hoje. Investimos 1,9% efetivamente. Só para vocês terem uma dimensão do que estou falando, nós, em 2014, já tínhamos cerca de 70 bilhões contratados como obras do PAC, só do DNIT, do ponto de vista rodoviário. Naquela altura, o DNIT tinha um orçamento, em 2013, de algo em torno de 14 bilhões, investindo cerca de 7 a 8 bilhões na área de construção. O orçamento atual do Ministério dos Transportes inteiro, incluindo a parte de porto, aeroporto etc., está em 13 bilhões hoje. O DNIT vai ter, este ano, para investir 1,5 a 1,7 bilhão nos 70 que tem contratados. Resulta dizer que teremos aí uns 30 anos de orçamento público para executar apenas aquilo que já está contratado. Ademais, poderia dizer que nós precisaríamos de pelo menos 5,5 bilhões por ano para manutenção das rodovias. Vamos ter algo em torno de 3,5 este ano. Tivemos 2,5 no ano passado e 2 e alguma coisa no ano anterior. Há um gap entre a necessidade de investir para manter e o orçamento efetivo que se tem para manter. O que isso ocasiona, de forma muito prática? Quem conhece um pouco de infraestrutura sabe que, se você recupera a rodovia no momento adequado, o custo é x; se você espera 3 meses para fazer a intervenção, o custo é 2x, e daí para frente é progressivo. A curva começa a disparar e vai ficando cada vez mais caro fazer a intervenção do ponto de vista da manutenção. Então, esse cenário, obviamente, é um cenário muito grave do ponto de vista do Ministério dos Transportes sabendo da importância que a logística tem para resolver no nosso país. Quem segurou o país nesse monte de crise foi o PIB agrícola, que vive basicamente de uma logística bem-feita, porque para que a nossa produção chegue aos portos e chegue ao mercado internacional, que é quem sustenta a nossa balança comercial, precisa de uma infraestrutura cada vez mais eficiente e que tenha um custo cada vez menor. Então, o que se fala do custo no Brasil basicamente é isso, é o custo que nós temos para tirar a produção do campo e levar aos mercados consumidores. Nosso país tem a vocação e a capacidade de abastecer o mundo em alimento, só que nós temos de fato esse grande desafio a vencer, que é a infraestrutura. Então, gostaria de parabenizar muito essa casa sobre esse debate e dizer a importância da gente firmar um pacto nacional em prol da infraestrutura, unindo não só essa entidade que representa o Brasil no ponto de vista da sociedade civil organizada e seus diversos interesses, mas tentar trazer para essa discussão os órgãos de controle, sobretudo, trazer o Ministério Público também. E a reboque, os executivos, para que a gente, a quatro mãos, a diversas mãos, possamos discutir esse assunto de maneira aberta, transparente, clara, despindo-se das vaidades institucionais que por vezes ocorrem para que a gente consiga o bem maior, o bem comum maior que é dotar o nosso país de infraestrutura. Bom, outra coisa que a gente precisou fazer muito quando começou a repensar essa questão da necessidade e das possibilidades é que, de fato, a possibilidade mais óbvia nesse momento para o Brasil conseguir avançar, investir em infraestrutura, é a parceria público-privada, as concessões. Não há outro meio de a gente conseguir recuperar esse gap dada a crise fiscal que temos, dada a Lei que limita os gastos, a PEC dos gastos. Com todo esse cenário, você precisa de uma saída e essa saída é a parceria público-privada. E para isso, de fato, você tem um grande desafio, que é criar a maior segurança jurídica, maior clareza e transparência nos processos e nos contratos e adequar um pouco o que a gente chama de matriz de risco. Porque quando você busca o mercado internacional, quando você busca agentes de fora para investir no seu país em infraestrutura, são investimentos de grande vulto, que têm a sua rentabilidade no longo prazo e, para tanto, você tem que criar as condições atrativas e necessárias para que isso se dê. E aí, em princípio, nós começamos a rever o modelo dos contratos, o modelo como era pensada a estruturação desses contratos. E aqui vou citar o exemplo da rodovia. O modelo da Terceira Etapa, não sei quantos aqui conhecem bem aquele contrato, mas ele previa a duplicação integral, em cinco anos. Previa 80% do investimento em TJLP, pelo BNDES, e previa diversos itens, como licença dada pelo Poder Público no primeiro ano etc., que visavam, naquele momento, avançar no investimento em infraestrutura. Só que a vontade desse avanço do investimento trouxe para esses contratos também riscos excessivos, na nossa avaliação. Porque existem trechos de rodovias que foram concedidas na Terceira Etapa que o nível de serviço daquela rodovia, ou seja, a capacidade de absorção que aquela infraestrutura tem, não necessita de uma duplicação, mas o contrato previa que, mesmo não necessitando, a título de indução, você faria a duplicação. Se o país está com uma carência de poupança interna, ou seja, tem dificuldade dos seus bancos oficiais em conceder empréstimos de infraestrutura – porque não existe banco privado para isso hoje no Brasil, dado que investimento em infraestrutura é investimento em alto risco, com volume excessivo de capital e também ninguém consegue competir com as taxas dos bancos oficiais –, começamos a dar um passo em outra direção, em trazer essas taxas mais a título de mercado. Mas mesmo assim, a exposição do risco para infraestrutura ainda é mais afeita ao Poder Público, aos bancos oficiais do que aos bancos privados. Então, se você tem esse contexto de escassez de poupança, e você, do outro lado, exige uma concentração do investimento, pelo menos você está dizendo a você mesmo que você vai ter poucos projetos que pode botar na rua. Porque são bens limitados, então, você tem que fazer escolhas nesse processo. Então, uma das revisões foi essa, trazer essas taxas mais próximas à taxa de mercado e rever essa modelagem do ponto de vista da construção, ou seja, você vai investir no que for necessário, quando for necessário. Você faz a concessão de uma rodovia, calcula o nível de serviço de cada um dos trechos e, a partir daí, vai fazer a duplicação e o investimento necessário, no tempo necessário. Além disso, até pela própria modelagem, a gente viu que existiam diversos problemas a serem tratados, da Terceira Etapa, sobretudo. Dadas as condições econômicas que o país atravessou e vem atravessando de 2013 para cá, todo planejamento que aquelas empresas fizeram no ato do leilão foi por terra. E não há nenhum instrumento no contrato, ou o que há é de forma diversa, porque a matriz de risco imputa ao privado o risco de demanda, mecanismos para o Poder Público ajustar esse contrato à nova realidade. E aí fizemos duas, uma que já é Lei, que é a 13.444, que veio tratar basicamente de dois institutos, que é a devolução amigável, porque você tinha um, quando a concessão não conseguia cumprir aquilo que foi contratado você tinha a opção da caducidade. A caducidade, a única que a gente deu na área rodoviária durou dois anos e meio de discussão, que foi a da 153 da Galvão. Fora essa, não há nenhum outro histórico de caducidade no setor rodoviário ou ferroviário. E essa foi relativamente simples, porque o cara nem começou a cobrar, ele não conseguiu fazer nem o trabalho de iniciais para começar a cobrar o pedágio. E demorou dois anos e meio para ele sair. Avalia o cara que já está cobrando, já fez investimento e tem possibilidade controversa com a Administração, quanto tempo levaríamos para fazer essa discussão não amigavelmente. Então, o Instituto da Devolução Amigável, ou da Relicitação, como está expresso na lei, foi pensado para receber este problema, ou seja, alguém precificou mal aquele ativo, ou fez um lance muito agressivo naquele ativo, aquele ativo está com problema e o único caminho que eu tenho pela agência reguladora, que eu tinha pela agência reguladora naquele momento, era a caducidade. Então, esse instrumento é sentar os dois entes, o público e o privado, e combinar o processo de devolução. Primeira coisa que se faz é baixar as obrigações de investimento, porque não faz sentido, em que pese que a pessoa possivelmente vai nos arguir bastante sobre isso, mas não faz sentido, se ele está dizendo que o negócio dele não para em pé, não tem condições do equilíbrio econômico-financeiro, eu exigir que ele continue investindo. Eu tenho que manter a qualidade de serviço daquela rodovia, minimamente, e começar a fazer o estudo da próxima licitação. É isso que a gente quer. Porque você mantém a qualidade mínima daquele processo até que você consiga fazer um novo estudo e relicitar aquilo. E o investimento feito e não amortizado deve ser, sim, ressarcido a partir da própria licitação, o licitante vai ressarcir aquele que estava ou está devolvendo o contrato. Então, essa foi uma saída que achamos para aquele problema. Só que também não é uma saída de curto prazo. Um estudo como esse vai levar algo em torno de dois anos, dois anos e meio. E algumas concessões, sobretudo da Terceira Etapa, está no limite, está na pré-viabilidade, está quase ficando viável, tem um detalhe que, se ajustando, ela dá viabilidade. E aí você vai, a título de moralidade, como foi dito aqui, fazer nova licitação? Ou a Administração, que está com um problema real na mão, precisa resolver o problema, vai buscar um outro caminho para que você consiga ajustar aquele contrato e aquilo, o investimento continuar acontecendo e você não ter esse gap de pelo menos dois anos, dois anos e meio. E aí nós criamos a MP 800, em que o pano de fundo é esse; é, na realidade, usar os próprios instrumentos contratuais, que é o desconto do Fator D. E aí foi feito um amplo debate, inclusive com o BNDES à mesa, buscando averiguação de financiabilidade desses ajustes. Você faz a postergação dos investimentos, até porque nesses contratos existiam investimentos que não eram necessários nem em 30 anos, porque ele tinha que duplicar de qualquer jeito, precisando ou não precisando. E essa alteração no cronograma de investimentos se daria a partir de uma priorização, e aí sim, investindo primeiro onde é necessário. Então, você traz uma lógica para o processo, que é uma lógica da Engenharia em si, e faz a sua contrapartida uma lógica financeira. Se eu tinha previsão de investir um ano ou dois, e estou levando isso para o ano cinco, aquilo tem um efeito econômico, desconta-se aquele efeito econômico para que o privado não tenha lucratividade maior por conta desta ação. Mas isto, por outro lado, gera um fluxo de caixa mais harmonioso que o banco consegue alavancar o empréstimo para que seja custeada, de fato, a obra de infraestrutura. Então eu ia licitar uma concessão que não teria obrigação de duplicar tudo, porque ela só duplicaria o que era necessário e faria os investimentos necessários no prazo de 30 anos e o resultado dessa licitação daria uma tarifa maior do que a atualmente praticada. Então, não nos pareceu racional isso, a título da moralidade, tão pura e simplesmente, porque o cara vai dizer assim: “Não, mas e a empresa que está lá, ela não correu um risco com o bid agressivo que deu?” Correu risco agressivo, sim. Mas, o que equivale mais aí nesse processo? Você tem que pesar e tentar estruturar a sua decisão frente ao desafio que você tem para dar conta. E o que me deixou muito feliz na primeira palestra é que é uma constatação dos senhores, e brilhantemente colocada aqui pelo professor que me antecedeu, é que o gesto público está, a grande maioria dele, se paralisando, com medo. Porque mesmo aquele que tem a boa vontade e quer resolver o problema, fica pensando: “Mas esse ato aqui, o cara vai me questionar”. Meu CPF vai ficar 30 anos aqui preso, que ele vai me torturar a vida toda por esse negócio [risos]. E aí as agências reguladoras sofrem muito isso. E aí some a caneta, some até o lápis, você procura um lápis e não acha, ninguém quer assinar nem de lápis. Porque é uma realidade, gente. Você tem um problema objetivo, você está na função, você precisa resolver o problema, mas mesmo que você faça com toda a precaução necessária, passa pela Advocacia Geral da União, passa pela AGU, porque nenhuma assinatura minha sai sem passar pela nossa Conjur. A Conjur analisa a legalidade do ato, não haver nenhum problema na legalidade do ato, nem inconstitucionalidade, nem nada, e mesmo assim, sofremos retaliações constantes. A MP 800, por exemplo, o tribunal, saiu em um dia, na terça-feira, na sexta-feira já estava o tribunal me perguntando se eu estou pressionando a agência a cumprir a MP. Eu quase perguntei se alguém pode deixar de praticar um ato que está em lei. Porque MP é lei, até que ela vire efetivamente lei ou caia no Congresso ou se modifique, mas enquanto a MP está vigente ela é uma lei. Algum servidor público pode deixar de cumprir uma lei? Ou ele ataca a constitucionalidade da lei e derruba a MP, ou ele não pode me perguntar se eu vou fazer alguma coisa ou não, se eu vou trabalhar. Eu me sinto coagido, sinceramente. Porque eu nem fiz nada, mas já está me perguntando, se alguém pedir, se eu vou fazer ou se eu não vou fazer [risos]. Então, é um pouco essa realidade que a gente vive. Eu acho que é por isso que a gente precisa criar um ambiente mais favorável de fato; abrir essa discussão. Eu, no café, conversava com um professor que eu acho que, sobre essa discussão, a OAB poderia fazer um grande bem à nação e trazer isso para Brasília; a gente fazia com os órgãos de controle, chamar o TCU, chamar o Ministério Público, o Ministério dos Transportes, ou seja, as partes que têm interesse de verdade que o Brasil consiga avançar nesse tema, e, juntos, chegarmos a algum consenso de como avançar nisso. Porque o TCU só me diz o que eu não posso fazer depois que eu faço, mas ele não senta para dizer: “Faz assim, cara, que assim eu acho legal” [risos]. Então, é isso que a gente sofre no dia a dia. Desculpa a informalidade do jeito que eu trato as coisas, mas é meu jeito de lidar com a vida e com as coisas e espero ter podido contribuir com a discussão e estou aberto às perguntas. Se tiver alguma dúvida sobre esse processo da construção da legislação, ou a intenção em qualquer tipo de artigo, porque eu realmente participei ativamente da construção dos dois atos. Muito obrigado. José Virgílio Lopes Enei (Professor do Insper e Sócio do Machado Meyer) Fernando Burattini vai focar um pouco mais no setor portuário, mas vai tratar desses desafios que são comuns a todos segmentos de infraestrutura; eu diria até energia aí dentro de um conceito mais lato, mais amplo, de energia. O Doutor Fábio trouxe aqui o dilema muito claro, né? O nosso Direito Administrativo, a nossa tradição administrativa, aponta, e apontou há muitas décadas, para soluções bastante rígidas diante de certos problemas. Então, em tese, se o investidor assumiu certos riscos e aqueles riscos se materializaram, ele deveria absorver esses riscos e assumir as consequências. Se a licitação está chegando ao seu fim e o concessionário não é mais obrigado a investir, enfim, deveríamos aguardar o término daquela concessão para só então relicitar, só então poder demandar novos investimentos. Diante de falhas do concessionário, a única consequência possível seria a decretação da caducidade e todo um litígio para se terminar antecipadamente aquela concessão, poder então passar uma relicitação. Diante dessa realidade, olhou-se para soluções que poderiam ser adotadas para, em última instância, atender e trazer melhores resultados para a própria sociedade, porque, diante dessa crise que o país sofreu, diante de Lava Jato etc., se a consequência fosse abrir um processo de caducidade em cada uma dessas concessões que estão sofrendo problemas para que tivéssemos ações judiciais, como um precedente aqui de dois anos e meio, provavelmente porque não houve muita discussão. Isso porque, em um litígio mais acirrado, poderíamos ter discussões aí, como já tivemos no passado, de cinco, seis, dez anos, e aquele assunto ficaria, a sociedade, o interesse público ficaria aguardando um desfecho, uma solução para isso. Então, parece-me que as soluções adotadas, embora não imunes a críticas, elas tiveram, enfim, elas pareceram bastante criativas e interessantes, propuseram soluções bastante proveitosas aí para o próprio interesse público, de forma a diminuir as penalidades, as sanções, e favorecer uma relicitação em condições mais aceleradas. Em outras situações, por que não permitir uma reprogramação dos investimentos, um ajuste à realidade efetiva, para que essas concessões pudessem ser retomadas, os investimentos retomados, dentro de condições efetivamente realistas? E nos parece que essas medidas estão alcançando esse objetivo. Mas eu passo aqui a palavra ao Doutor Fernando, que vai focar no setor portuário e vai poder trazer um pouco da experiência dele em relação a esses desafios. Fernando Burattini (Diretor Jurídico da FENOP-Federação Nacional dos Operadores Portuários) No meu entender e no meu sentir, compreendi perfeitamente as explicações feitas pelo Doutor Fábio, da necessidade que o Poder Público tem de buscar soluções criativas para os problemas que se enfrenta, para se permitir e se viabilizar investimentos do setor privado na infraestrutura. O Brasil é um país continental, é um país que tem uma imensa concentração da competência constitucional para o desenvolvimento de serviços básicos para a nação, esses serviços são todos atribuídos por competência constitucional à União Federal, portanto, é necessária a construção dessa parceria público-privada. A União tem a competência constitucional de desenvolver e de prover ao país essas estruturas e serviços, mas não tem a competência operacional e nem a capacidade financeira para implementá-las, portanto, tem que ceder e construir essa parceria com o setor privado. Para se conseguir essa parceria com o setor privado, e para que o investidor privado coloque o dinheiro dele em um investimento, como dito pelo Doutor Fábio, longevo – além de longevo, porque infraestrutura, necessariamente, são contratos de longo prazo, são investimentos extremamente vultosos –, os valores são extremamente importantes, e por serem serviços públicos ainda vêm limitados pelo critério da retributividade e da modicidade que se impõe aos preços que se cobram pelo serviço público que se presta. Neste cenário de dificuldade é indispensável, no meu modo de ver, além da criatividade que tem que ter o Poder Público para buscar soluções aos problemas que se apresentam no dia a dia da infraestrutura, mas o elemento central, o elemento fundamental para que se possa fazer investimentos, se possa manter os investimentos já realizados e captar novos investimentos no mercado de infraestrutura, no meu sentir, é a confiança. Aqueles investidores privados que fizeram essas iniciativas em infraestrutura no país, parece-me que é o maior desafio no mercado de infraestrutura. Nós temos, juntos, diversos segmentos que atuam na infraestrutura, temos que nos aproximar e temos que buscar soluções criativas, sim, como as que vêm sendo adotadas por este governo, mas também soluções estáveis, que garantam segurança jurídica àqueles que já investiram, àqueles que já estão no cenário nacional, àqueles que já contribuíram para o desenvolvimento da infraestrutura do nosso país. O tirocínio dessa formação de mesa híbrida, tanto com o Poder Público quanto o setor privado, me parece fundamental porque traz essas duas experiências: a dificuldade do administrador público, que tem medo daquilo que faz, porque não tem um órgão que lhe diga como fazer, que diz como fazer depois que está feito, e o setor privado também, que não tem, infelizmente, essa segurança jurídica. Ele investe em determinadas circunstâncias, mas essas circunstâncias só se revelam a ele diferentes daquilo que ele considerou quando investiu, depois que já investiu. É uma situação muito análoga: se o administrador público age sem saber se depois será punido, o investidor privado investe sem saber se essas regras serão mantidas, se essas regras serão preservadas e se a confiança será a ele assegurada para poder completar o seu investimento e recuperar o investimento, amortizar e ter algum lucro, afinal de contas, vivemos em um capitalismo. No setor de portos, isso se manifesta de forma mais evidente, de forma mais contundente do que no setor do transporte rodoviário, ou mesmo no ferroviário. No setor de portos, nós tivemos uma situação que nos alerta e que traz aquela última provocação que o Doutor Fábio fez, de juntarmos os diversos agentes da sociedade em uma discussão em Brasília, que seja profícua e que seja criadora de boas e de estáveis soluções. Não podemos ter soluções efêmeras, soluções que resolvam uma crise imediata, mas gere um problema maior em médio prazo. Essas soluções têm que ser refletidas e têm que ter um norte, têm que ter como elemento balizador da sua fundamentação a segurança jurídica e a estabilidade que precisa se garantir aos contratos administrativos, que são contratos, repito, longevos, e de enorme vulto. Nos portos, nós tivemos a abertura do setor, muito positiva, no ano de 1993, com marco regulatório, a Lei 8.630, uma Lei que foi noticiada como uma lei inovadora, estável e que permitiria, aí sim, a entrada do capital privado nesse segmento da logística nacional, que era extremamente deficitária. Você não tem escoamento de produção, você não tem participação do Brasil no mercado globalizado sem porto. Sem porto eficiente você não consegue escoar produção. O setor portuário não é protagonista, não é mais importante do que os outros segmentos da infraestrutura, mas o fato é que sem um porto eficiente você não comunica a produção nacional com o mercado globalizado. O porto tem que ser eficiente e tem que ser barato. Para ser eficiente e ser barato não poderia mais estar no Poder Público. Veio, em 1993, um marco regulatório do setor portuário e abriram aí em sanchas as licitações do setor portuário. Elas tiveram um tempo de maturação e ocorreram mais intensamente nos anos de 1996 e de 1997. Foram nesses dois anos que os principais investidores no setor portuário brasileiro aderiram a esta iniciativa do governo central e resolveram fazer esses investimentos de vulto no setor de infraestrutura brasileira. E o fizeram segundo a regra do jogo vigente naquele momento, o fizeram balizando seus investimentos, não de forma equivocada, como alguns exemplos de licitações rodoviárias, não foi um equívoco dos investidores nos lances que ofertaram para aqueles ativos que estavam sendo licitados e aqueles serviços públicos que seriam concedidos. Foi a consideração das condições que vigiam e se apresentavam tanto no edital quanto na legislação vigente. Em 1993, só existia porto organizado no Brasil, só existia porto público no Brasil. A Constituição reserva à União Federal a atividade portuária. E um serviço público, também pela Constituição, só pode ser transferido pelo particular por concessão, não pode ser transferido pro particular por outro vínculo jurídico que não a concessão. Isso está na Constituição. Neste segmento e neste ambiente, os investidores privados que se dispuseram a desbravar o setor portuário e fazer esses investimentos, tinham um cenário de competição absolutamente clara nos portos públicos, tinham um cenário que os agentes que viessem a investir nos portos o fariam em atividade pública, em bens públicos e em um prazo que a lei previa, era um prazo de 25 anos, prorrogável por mais 25 anos. Sabiam que, ao término desses investimentos, todo investimento seria reversível ao patrimônio público. Portanto, todo investimento feito pelo particular deixaria de a ele pertencer e passa a pertencer ao Poder Público. E sabiam também que teriam alguns incentivos fiscais. Logo depois da privatização, veio o programa do Reporto com alguns incentivos fiscais para este desenvolvimento no setor portuário, repito, no porto público. Os investimentos foram feitos, foram investimentos de vulto, ágios bem maiores do que os que se encontram hoje nas licitações. Foi um investimento desbravador de alguns grupos privados nos portos. Se licitaram em 1996 e em 1997, já em 1998 o Governo Federal edita uma Lei que mudou substancialmente a circunstância daqueles que investiam. Editou a Lei 9.719, que impôs a todos esses agentes privados que entraram no setor portuário o ônus da mão de obra do trabalhador avulso portuário. Este ônus impõe, hoje, aos diversos portos, contingências que superam, todos os portos somados, dois bilhões de reais. É uma variável que não existia na equação quando foi feita a oferta pela oportunidade do negócio nas licitações que participaram essas empresas. Notem, um ano após a conclusão das licitações, não estava no edital, não estava na legislação vigente. Este ônus foi assimilado, sobrevieram diversas outras alterações regulamentares, surgiram as agências reguladoras, o mercado foi se acomodando, foi se ajustando à realidade, até que, em 2013, foi refeito todo o marco regulatório do setor portuário. Antes de vencer o primeiro módulo temporal de 25 anos do investimento privado feito nos portos do Brasil, alteraram-se completamente as regras que regulam aquele setor. Houve um novo marco regulatório do setor por

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