
Tribunais de contas – natureza, alcance e efeitos de suas funções
2021; Volume: 5; Issue: 16 Linguagem: Português
10.48143/rdai/16.bandeirademello
ISSN2675-9527
AutoresOswaldo Aranha Bandeira de Mello,
Tópico(s)Academic Research in Diverse Fields
Resumo1. O orçamento é o ato jurídico em que se faz a previsão da receita, autorizando a sua arrecadação, e a fixação da despesa, autorizando, outrossim, a sua execução, relativas a determinado exercício financeiro. Embora o conteúdo do orçamento diga respeito à matéria de Direito Financeiro, pertinente à disciplina da receita e da despesa, a natureza jurídica da fiscalização da execução do orçamento se mantém no campo do Direito Administrativo, não obstante se utilize das normas de contabilidade pública e de técnica econômico-financeira para levá-la a cabo. Destarte, permanece no Direito Administrativo o estudo dos órgãos de controle do Estado quanto a atividade dos ordenadores da despesa e pagadores de contas, e os atos jurídicos de efetivação desse controle. Esse controle da execução do orçamento se faz através do Poder Executivo, por órgão do Ministério da Fazenda ou das Finanças, que acompanham a gestão financeira dos diferentes órgãos do Estado, e se denomina fiscalização interna; e, através do Poder Legislativo, valendo-se de pareceres de suas Comissões de Finanças ou Tomadas de Contas, e, especialmente, de órgão administrativo, autônomo, de cúpula colegiada ou individual, seu delegado, e auxiliar, ou melhor, colaborador, na verificação das contas dos órgãos do Estado, independente do Poder Executivo, e esse controle se denomina fiscalização externa. Ao Legislativo compete não só a aprovação do orçamento como a fiscalização última da sua fiel execução. Objetiva garantir o efetivo cumprimento do orçamento, quanto a receita e despesa. Sem a devida tomada de contas, os orçamentos se constituiriam em formalidades inúteis e seria impossível a apuração de responsabilidade dos agentes ordenadores e pagadores da despesa. 2. Como órgão auxiliar do Legislativo nessa tarefa de controle de contas do Executivo se cogitou, nos países latinos da Europa, do Tribunal de Contas, também denominado Conselho de Contas ou Corte de Contas, cujos membros, chamados Ministros ou Conselheiros, gozam de imunidades que asseguram a sua independência. Esse órgão, apesar de exercer uma função administrativa, repita-se, a efetiva em caráter autônomo, e sem qualquer liame com o Chefe do Executivo. Já na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, dito controle se faz através de Auditoria, General Accounting Office superintendida por Auditor-Geral, General Comptroller and Auditor, com garantias equivalentes às que se atribuem à magistratura, e, outrossim, em posição de absoluta independência dos órgãos governamentais controlados, inclusive do Chefe do Executivo. O exame das contas pode ser feito através de três processos diferentes que originaram os sistemas de exame prévio absoluto ou relativo, e do exame posterior. O exame prévio absoluto é aquele em que o veto do órgão fiscalizador externo impede os órgãos executivos e ativos a efetuarem a despesa em negando o seu registro, e, então, não pode ser feita. Esse veto absoluto é utilizado nos casos de falta de verba para essa despesa ou ter sido cogitada por verba imprópria. É o sistema acolhido pelo Tribunal de Contas da Itália, e, por isso, denominado de tipo italiano. Já o exame prévio relativo é aquele em que o veto do órgão fiscalizador externo, em considerada ilegal a despesa, nega-lhe o registro, e devolve a documentação aos órgãos executivos ativos com as razões do veto. Se os órgãos superiores do Executivo não se conformarem com o veto, solicitam ao órgão fiscalizador externo que faça o registro sob protesto. Após essa formalidade, ele dá ciência ao Legislativo do ocorrido, para que apure a responsabilidade dos órgãos executivos ativos, que levaram a efeito a despesa. Foi o sistema escolhido pelo Tribunal de Contas da Bélgica, e, por isso denominado de tipo belga. O exame posterior é o que a verificação da despesa se faz ao depois de efetuada. Elas não são evitadas pelo órgão de fiscalização externa, a quem cabe apenas providenciar em última análise, a punição dos culpados. Foi o sistema escolhido pelo Tribunal de Contas da França, e, por isso, denominado de tipo francês. O sistema do exame prévio absoluto adotado é conciliável com os outros dois, conforme a legislação, com referência a ato da Administração Pública de que resulte obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional ou por conta deste. Isto se verifica quando a recusa de registro tiver outro fundamento que a falta de verba ou disser respeito a verba imprópria, e, então, a despesa pode efetuar-se sob reserva ou protesto do órgão controlador externo, em determinada pelo Executivo a sua realização. Outrossim, ocorre o controle posterior quando, nos termos da legislação, o órgão controlador externo tem o encargo de exame do orçamento, após a sua execução, na apreciação das contas do Executivo, mediante relatório a ser oferecido ao Legislativo. Por seu turno, o sistema do veto relativo adotado é conciliável com o do exame a posteriori dos atos da Administração Pública, como seja, valendo-se do mesmo exemplo acima, quando compete ao órgão controlador externo a apresentação de relatório das contas do Executivo, em apreciando a execução por ele do orçamento, a ser, depois do exercício financeiro, encaminhado ao Legislativo. 3. Tem o Congresso Nacional a função de fiscalizar os atos do Poder Executivo, bem como da administração indireta, e com as prerrogativas que lhe reconheça e lhe dê a lei, consoante dispõe o art. 45, da Magna Carta de 69, e, destarte, a Câmara dos Deputados e o Senado ou o próprio Congresso Nacional podem criar comissões de inquérito para a devida fiscalização a respeito. 4. O Tribunal de Contas nasceu, realmente, na ordem jurídica pátria, somente com o Dec. 966-A, de 7.9.1890, que adotara o modelo belga. Isso logo após a proclamação da República, por ato do Governo Provisório. Ao Tribunal fora atribuída não só a fiscalização das despesas e de outros atos que interessem às finanças da República, como o julgamento das contas de todos os responsáveis por dinheiros públicos de qualquer Ministério a que pertencessem, dando-lhes quitação, ou ordenando-os a pagar o devido e quando isso não cumprissem, mandava proceder na forma de direito. A Constituição de 1891, simplesmente previu, ao dispor, no art. 89, sobre a instituição de um Tribunal de Contas, para liquidar as contas de receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Relegou, porém, para a Legislação ordinária a sua inteira organização. Posteriormente, todas as Constituições Republicanas o inseriram entre os seus dispositivos. Já as demais estabeleceram as linhas fundamentais desse órgão governamental. Valendo-se de autorização que lhe dera o Congresso Nacional pela Lei 23, de 30.10.1891, para organizar os serviços dos Ministérios, e pela Lei 26, de 30.12.1891, para organizar as repartições da Fazenda, o Poder Executivo promulgou o Dec. 1.166, de 17.12.1892, em que cogitou o Tribunal de Contas previsto pelo texto constitucional citado. Deu-lhe a competência de exame prévio das contas do Executivo e poder de veto absoluto, quanto às despesas, e, outrossim, conferiu-lhe a atribuição de julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou valores públicos, emprestando às suas decisões força de sentença, uma vez lhe reconhecia nessa função atuava como Tribunal de Justiça. E essa situação não se alterou na legislação posterior, até a promulgação da Constituição de 1934. Porém, essa última competência, qual seja, de julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou valores públicos, consoante demonstração do Prof. Mário Masagão (cf. “Em face da Constituição Federal, não existe, no Brasil, o Contencioso Administrativo”, pp. 137 a 175, Seção de Obras do Estado de S. Paulo, S. Paulo, 1927), em completo estudo sobre o contencioso administrativo no Brasil, devia ser havida como inconstitucional, isso porque a Constituição de 1891 revogara, diretamente, esse instituto estabelecendo a jurisdição una, afeta, em exclusividade, ao Poder Judiciário, ex vi do seu art. 60, “b” e “c”. Aliás, nesse sentido, já haviam se manifestado Ruy Barbosa (cf. Comentários à Constituição, coligidos por Homero Pires, vol. IV, pp. 429 e ss) e Pedro Lessa (cf. Do Poder Judiciário, p. 149). Como órgão de função administrativa, preposto do Poder Legislativo, como seu auxiliar, na verificação da gestão financeira do Estado, na verdade, pela sua própria natureza, não podia ter funções jurisdicionais. Aliás, o art. 89, citado, da Constituição de 1891, só lhe confiara aquela atribuição administrativa. Inconstitucional seria, portanto, através de lei ordinária, não só diminuí-la, como, e, principalmente, aumentá-la, dando-lhe função jurisdicional. 5. As Constituições que se seguiram à Constituição de 1891, como salientado, mantêm o Tribunal de Contas por esta instituído e lhe dão as linhas mestras da sua organização, especificam o sistema de controle das contas adotado, e definem as suas competências. As Constituições de 1934 (cf. §§ 1.º e 2.º do art. 101) e de 1946 (cf. §§2.º e 3.º do art. 77) adotaram o sistema italiano de controle da conta, ou melhor, do veto prévio absoluto, proibitivo, com referência às despesas pretendidas em que houvesse falta de saldo no crédito ou que tivessem sido imputadas a crédito impróprio, e do veto prévio relativo, quando diverso fosse o fundamento da recusa, quanto à despesa em causa, e, ainda, o controle a posteriori relativamente a outras obrigações de pagamento. No caso de veto prévio relativo a despesa poderia efetuar-se após despacho do Presidente da República, feito, então, o registro sob reserva, com recurso de ofício à Câmara dos Deputados, segundo a Constituição de 1934, e ao Congresso Nacional, conforme a Constituição de 1946. 6. Já as Constituições de 1937, 1967 e 1969 silenciam a respeito. Mencionam apenas as atribuições do Tribunal de Contas sem cogitar do regime de controle. Contudo, dos termos das Constituição de 1967 (art. 71, e parágrafos, e §4.º do art. 73) e Magna Carta de 1969 (art. 70 e parágrafos, e §4º do art. 72) se conclui que optaram, em princípio, pelo sistema francês, do controle a posteriori, com ligeiras restrições, ao admitirem a faculdade de o Tribunal, de ofício, ou mediante provocação do Ministério Público, ou das autoridades financeiras e orçamentárias, e demais órgãos auxiliares, verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos. A auditoria financeira e orçamentária será exercida sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes da União, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, a que caberá realizar as inspeções que considerar necessárias (art. 79, §3.º de 69). Esses são os elementos necessários para as inspeções levadas a efeito pelo Tribunal de Contas, através dos seus órgãos de auditoria, e compreendem perícias, apuração de pagamento e de sua pontualidade, verificação do cumprimento das leis pertinentes à atividade orçamentária e financeira. Todas essas normas de fiscalização aplicam-se às autarquias, que consistem em pessoas jurídicas criadas pelo Estado, com capacidade específica de direito público na realização de objetivo administrativo (§5.º do art. 70 de 69). Por isso, como seus órgãos indiretos se acham enquadrados no todo estatal, embora seres distintos do Estado, ante a sua personalidade. Formam com ele uma unidade composta. Têm atributos de império, obrigação de agir, são criados por processo de direito público, sem objetivo de lucro e se sujeitam à fiscalização estatal. Distinguem-se em autarquias associativas e fundacionais (cf. Princípios Geral de Direito Administrativo, vol. II, p. 233). Deverá o Tribunal de Contas, em face da Constituição e no caso de concluir tenha havido qualquer irregularidade a respeito: a) assinar prazo razoável para que o órgão da administração pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei; b) sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, exceto em relação a contratos; c) solicitar ao Congresso Nacional, em caso de contrato, que determine a medida prevista na alínea anterior ou outras necessárias ao resguardo dos objetivos legais. Observe-se, a sustação do ato que refere a alínea “b” poderá ficar sem efeito se o Presidente da República determinar a execução, ad referendum do Congresso Nacional, sujeitando, portanto, essa ordenação apenas a controle a posteriori do Congresso Nacional (cf. Constituição de 1967, §8.º, do art. 73; de 1969, §8.º do art. 72). O Congresso Nacional deliberará sobre a solicitação de que cogita a alínea “c”, no prazo de 30 dias, findo o qual, sem pronunciamento do Poder Legislativo, será considerada insubsistente a impugnação (cf. Constituição de 1967, §5.º, “a”, “b” e “c”, e §6.º do art. 73; de 1969, §5.º, “a”, “b” e “c”, e §6.º do art. 72). Merece crítica as disposições que têm como insubsistente a falta de pronunciamento legislativo no prazo legal a ele cominado. A solução devia ser exatamente a outra, isto é, tornando a sustação definitiva, adotada, aliás, pela Constituição Paulista no seu art. 91, III. Igualmente, a orientação adotada em admitindo a possibilidade do Presidente da República de ordenar a execução do ato considerado pelo Tribunal de Contas ilegal, submetendo-o ao referendum do Congresso, mas só depois de perpetrada a ilegalidade, outrossim, merece crítica. Envolve, sem dúvida, completa falência do controle do Tribunal de Contas. Por outro lado, regulam a Constituição de 1967 e a Magna Carta de 69 do controle interno da execução do orçamento. Realmente, dispõem que o Poder Executivo manterá sistema de controle interno, a fim de: I – criar condições indispensáveis para assegurar eficácia ao controle externo e regularidade à realização da receita e da despesa; II – acompanhar a execução de programas de trabalho e a do orçamento; e III – avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar a execução dos contratos (1967, art. 72; de 1969, art. 71). Mas, as censuras acima feitas mostram ser de nenhum efeito essas pretendidas cautelas, pois indiretamente com os textos anteriormente criticados, nulificam, como salientado, o real controle de resultados práticos do Tribunal de Contas. A respeito dos textos criticados, a Constituição de 1934 dispunha que os contratos que, por qualquer modo, interessassem imediatamente à receita ou à despesa, só se reputariam perfeitos e acabados, quando registrados pelo Tribunal de Contas, e que a recusa de registro suspendia a sua execução até o pronunciamento do Poder Legislativo (art. 100). Igual preceito constava na Constituição de 1946 (art. 77, §.1º). Texto semelhante impunha-se tivesse sido acolhido pela Constituição da República Federativa do Brasil e das Constituições dos Estados. Destarte, estariam libertas das críticas anteriormente feitas a respeito. 7. Tendo a Carta de 1937 deixado a completa organização do Tribunal de Contas à lei ordinária (parágrafo único do art. 114) apenas dispôs que competiria a ele acompanhar, conforme já dispunha a de 1934, diretamente ou por delegações organizadas, de acordo com a lei, a execução orçamentária; julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos; e da legalidade dos contratos celebrados pela União. Essa tríplice competência foi repetida pelas Constituições que se lhe sucederam de 1946 (art. 77, I, II e III), de 1967 (§1.º do art. 72, §§ 5.º e 8.º do art. 73), e de 1969 (§1.º do art. 71, §§5.º e 8.º do art. 73), e de 1969 (§1.º do art. 71, §§5.º e 8.º do art. 73). E a elas se acrescentou a de julgar a legalidade das aposentadorias, reformas e pensões. Salvo a Carta Magna de 37, todas elas cogitam do parecer prévio do Tribunal de Contas, no prazo de 30 dias, segundo a Constituição de 1934 (art. 102) e de 60 dias segundo as demais (de 1946, §4.º, do art. 77; de 1967, §2.º do art. 71; de 1969, §2.º do art. 70) sobre as contas que o Presidente da República deve prestar, anualmente, ao Congresso Nacional. E, se elas não lhe forem enviadas no prazo da lei, comunicará o fato ao Congresso Nacional, para os fins de direito, apresentando-lhe num e noutro caso, minucioso relatório do exercício financeiro encerrado. 8. Sem dúvida a Constituição de 1967 e a Magna Carta de 1969 através dos seus textos retrogradaram quanto a fiscalização de maior relevo que deve caber ao Tribunal de Contas, qual seja a de fiscal da administração financeira, como preposto do Legislativo. Sem o veto absoluto nos casos de falta de saldo no crédito e nos de imputação a crédito impróprio, a atuação do Tribunal de Contas deixa de ter sua razão de ser. Sem sentido se nos afigura a opinião de alguns que declaram terem sido aumentados os poderes do Tribunal de Contas, pelos textos da Constituição de 67 e Magna Carta de 69, ante a possibilidade que lhe cabe hoje de acompanhamento do desenvolver do orçamento, mediante inspeções especiais, levantamentos contábeis, e representação, que lhe compete, ao Poder Executivo e Congresso Nacional, sobre irregularidades e abusos, inclusive as decorrentes de contrato, pois lhes falta a possibilidade de impedir, de forma coercitiva e absoluta, despesas irregulares. Disse com razão Ruy Barbosa: "não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância ou a permissão para punir". Circunscrita a estes limites essa função tutelar dos dinheiros públicos será, muitas vezes, inútil por omissa, tardia ou impotente. Não é de outro sentir Dídimo da Veiga quando afirmou: “O exame a posteriori ou sucessivo deixa consumar-se a despesa para depois fiscalizar a legalidade da mesma, sendo de todo o ponto ilusória a responsabilidade do ordenador, que nunca se torna efetiva, e a do pagador, sempre que a despesa paga for de cifra tão elevada que exceda o valor da caução prestada e dos bens do responsável; a fazenda pública vê-se lesada, fica a descoberto de qualquer garantia, o que, de per si só, é suficiente para coordenar o regimem da contrasteação ex post facto”. (Relatório do Tribunal de Contas de 1899, p. 13) É de lamentar-se essa restrição aos poderes do Tribunal de Contas, muito ao gosto das ditaduras e dos governos de fato. É de lamentar-se, mais ainda, que as Constituições estaduais tenham seguido essa mesma orientação. Vale a pena recordar-se que quando se quis extinguir a fiscalização prévia, com veto absoluto, no Governo Floriano Peixoto, seu Ministro da Fazenda, Seserdelo Correia, pediu exoneração do cargo, e teve oportunidade de dizer em carta ao Presidente a respeito do veto impeditivo. “Longe de considerá-lo um embaraço à administração, eu o considerava o maior fiscal da boa execução do orçamento”. E prosseguia acertadamente: “Se a despesa está dentro do orçamento, se existe verba ou se tem recurso a verba, o Tribunal não pode deixar de registrá-la. Se não existe ou está esgotada, é o caso dos créditos extraordinários ou suplementares”. O registro sob protesto, isto é, do veto relativo não basta para essas hipóteses retro apontadas, para conter os abusos dos governantes e evitar desmandos financeiros. Claro, quando a recusa do registro tiver outro fundamento ele se explica, e então o registro se faz sob reserva. O controle posterior se tem aplicado como elemento complementar, na apreciação de comportamento dos ordenadores e pagadores de despesa para efeito de parecer sobre as contas ao Congresso, e consequente apuração de responsabilidade. 9. Em que pese opiniões em contrário, se nos afigura perfeitamente possível, sem que ocorra a pecha de inconstitucionalidade, adotem os Estados federados e os Municípios, o veto absoluto e o relativo, conforme as hipóteses, na organização dos seus Tribunais de Contas, no exercício das respectivas autonomias, asseguradas pelos arts. 13 e 15, respectivamente, da Emenda 1/1969. As matérias pertinentes aos Tribunais de Contas se enfocam em dois ramos jurídicos: o Direito Financeiro e o Direito Administrativo. As matérias de Direito Financeiro, na verdade, são de competência prevalente da União, ex vi do art. 8.º, XVIII, “c”, da Magna Carta de 69, ou seja, de estabelecer, através de textos legislativos, normas gerais sobre orçamento, despesa e gestão patrimonial e financeira de natureza pública, e, pois aos Estados compete apenas legislar, supletivamente, sobre elas, segundo o parágrafo único do citado art. 8.º, XVII, “c”. Já as matérias de Direito Administrativo, em especial sobre a organização dos seus órgãos, cabem aos Estados pois assistem-lhes todos os poderes que não lhes foram vedados, por texto constitucional. Incumbe-lhes, então, e tão-somente, respeitar os princípios constitucionais, na Magna Carta de 69. Por conseguinte, afora as competências que lhes foram proibidas, hão de obedecer apenas as limitações que defluem dos princípios estruturais do regime pátrio, constantes da Constituição Federal. Portanto, cumpre aos Estados federados, ao organizarem o respectivo Tribunal de Contas, a observância do princípio de prestação de contas da administração, segundo art. 10, VII, “f” e mais elaboração do orçamento, bem como a fiscalização orçamentária, conforme o art. 13, IV. A conjugação desses dois princípios faz com que para efetivá-los devam instituir Tribunais de Contas, com as restrições expressas de que os seus membros não poderão exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo um cargo de magistério e nos casos previstos nesta Constituição; receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, percentagens nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento, e não deverão exceder de sete, em consonância com o art. 13, IX da CF. Afora essas delimitações aos poderes dos Estados Federados, constantes dos textos suprarreferidos, nenhuma outra foi prevista, e como a eles são conferidos todos os poderes que, explícita ou implicitamente, não lhes tenham sido vedados pela Constituição Federal, como dispõe o §1.º do art. 13, é indiscutível, a nosso ver, ao organizarem os seus Tribunais de Contas, podem fazê-lo com liberdade, em escolhendo para efeito do controle financeiro o sistema que mais lhes convenha. Assim o de veto prévio absoluto quanto as despesas em que inexista verba ou esta seja imprópria. Certo, o art. 188 da Constituição de 67, reproduzido no art. 200 da Carta de 69, invocado pelos que negam essa possibilidade, não configura o referido impedimento. Realmente, os artigos em apreço dispõem que as disposições nela constantes ficam incorporadas, no que couber, ao direito constitucional legislado pelos Estados. Com isso se pretendeu, na melhor das hipóteses, que os Estados devem adotar, no mínimo, o modelo imposto pela Carta Federal, com referência ao controle financeiro, os princípios básicos constantes dessas Constituições em referência. Eles constituem o paradigma mínimo a serem obedecidos pelos Estados, tendo em atenção o modelo federal. Mas, nada impedem melhorem o sistema federal de controle das contas estaduais e o torne mais severo. Não lhe impuseram completa simetria de organização, o que seria absurdo em um Estado federal, de grande extensão territorial, e em que as unidades federativas são de áreas díspares e com diversidade de população, e de civilização e cultura distintas. Assim sendo, deverá o Tribunal de Contas do Estado, como mínimo tão-somente: I – exercer o controle externo da administração financeira do Poder Executivo e entes autárquicos, como colaborador da Assembleia Legislativo neste mister; II – apreciar, em parecer, as contas anuais da Administração Pública, e elaborar relatório quanto ao exercício financeiro, mediante a ajuda de auditoria, tomar as contas dos administradores e outros responsáveis pelo dinheiro público, e verificar da legalidade das aposentadorias, reformas e pensões; III – gozar de autonomia interna corporis dos Tribunais Judiciários e desfrutar os seus membros de situação equiparável aos magistrados dos Tribunais de Justiça; IV – satisfazer a nomeação dos seus membros os requisitos previstos para nomeação dos magistrados; V – representar ao Poder Executivo e à Assembleia Legislativa dando notícia de atos irregulares ou abusos verificados quanto a administração financeira e orçamentária; VI – sustar os atos da administração financeira quando exaurido o prazo a ela assinado para sua regularização, bem como solicitar à Assembleia Legislativa, em casos de contratos firmados pela administração, as medidas para resguardo da regularidade dos objetivos legais, acaso desrespeitados. Aliás, se realmente fosse negado aos Tribunais de Contas Estaduais ampliar e melhorar o sistema adotado pela União, a fim de torna-los mais aptos, à consecução da sua função, quanto a organização do próprio órgão e a sua ação fiscal, seria praticamente anular a autonomia dos Estados, assegurada pelo art. 13 da Magna Carta de 69, e, consequentemente, ter como revogada a Federação, firmada no art. 1.º dela, e cuja abolição, mediante reforma constitucional, sequer pode ser objeto de deliberação proposta nesse sentido, ante o art. 47, §1.º. Em consequência, são livres de organizar o órgão e a sua ação desde que respeitem, no mínimo, quanto a organização as normas dispostas pela União e quanto a sua ação ao figurino mínimo pertinente ao controle fiscal estabelecido pela União. Parece absurdo sustentar-se que está o Estado, pela Carta de 69, impedido de melhorar a organização de seu Tribunal e de tornar mais efetiva a sua fiscalização financeira. 10. Como já salientado, a Magna Carta de 69 assegurou no art. 15 a autonomia dos Municípios. Admitiu a intervenção do Estado nos seus negócios quando deixarem de respeitar princípios insertos no §3.ª desse artigo. E entre eles, está o de prestação das contas devidas nos termos da lei, conforme já previsto no inc. II do citado art. 15. Consequentemente, no art. 16 estabeleceu que a fiscalização financeira e orçamentária será exercida mediante controle externo da Câmara Municipal e controle interno do Executivo municipal, instituídos por lei. E no §1.º dispõe: “O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a que for atribuída essa incumbência”. Destarte, admitiu o Estado entregue tal encargo ao seu Tribunal de Contas ou a órgão estadual para tanto criado e a quem caberá essa competência. Embora em caráter de colaboração à Câmara Municipal, o parecer prévio desses órgãos estaduais só deixará de prevalecer, segundo o §2.º desse artigo, mediante decisão de 2/3 daquela. Dessa forma ficaram postas balizar aos abusos das Câmaras Municipais sob a força de pressão da política. Restrições maiores comprometeriam a autonomia do Município. Para evitar esses abusos dos governantes municipais, sem tolher a autonomia, está na adoção pelos Estados do veto prévio absoluto e relativo, com referência aos Municípios nos termos que devem ser preconizados para o Tribunal de Contas do próprio Estado, com referência ao seu controle financeiro. Discute-se sobre a possibilidade de, em existindo Tribunal de Contas nos Estados, haver possibilidade de ser por ele criado órgão estadual com o encargo de proceder a fiscalização financeira dos Municípios, como auxiliar do controle externo das Câmaras Municipais. Entendem uns a dejuntiva ou do texto constitucional faz com que só se possa admitir a criação desse órgão em inexistindo Tribunal de Contas do Estado. Já outros sustentam a permissibilidade da criação desse órgão para efeito de descongestionar os Tribunais estaduais. Estes restringiram o seu controle contábil financeiro às contas do Estado federado, e o outro órgão se destinaria a igual controle dos Municípios. Aliás, só desse sentido se pode compreender a palavra “ou” intercalada entre as duas hipóteses, isto é, uma “ou” outra. Afigura-se-nos mais consentânea com a verdade a tese da última corrente, não obstante tenha havido pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em favor da outra. Aliás há também decisão desse Tribunal em outro sentido. A fiscalização se fará por um ou outro órgão pertinente. Adotada a primeira orientação, ainda há de ter-se como sem sentido a previsão constitucional de outro órgão, além do Tribunal de Contas, para o referido controle, porquanto todos os Estados, obrigatoriamente, devem ter Tribunais de Contas, ex vi do art. 13, IX, da CF, completado pelo art. 200 que determina a incorporação, no que couber, das disposições constantes da Carta Federal, ao direito constitucional dos Estados. Demais, o trabalho que fica a cargo dos Tribunais de Contas dos Estados, quanto ao controle fiscal da sua atuação, pode perturbar o serviço desse Tribunal para efetivar, realmente, o controle financeiro dos Municípios, e, então, se explica a criação desse órgão especial distinto dos Tribunais de Contas, a critério do legislador estadual. Esse órgão autônomo estadual, no entanto, deverá gozar de regalias que assegurem a sua independência quanto a força de pressão política, a fim de poder exercer, com absoluta isenção, a sua atividade de auditoria, seja ele colegiado ou sob a orientação singular de um auditor-chefe. Contudo, os municípios, ante o §3.º, do art. 16, da Magna Carta de 69, com população superior a dois milhões de habitantes e renda tributária acima de quinhentos milhões de cruzeiros novos, podem eles próprios instituir Tribunais de Contas. E estes devem respeitar, na sua organização e ação, os princípios mínimos adotados pela Constituição Federal nos arts. 72 e parágrafos e mais outras normas aperfeiçoando-os, como seja o veto absoluto nos casos de falta de verba ou de verba imprópria, e o veto relativo quanto a outras despesas. Já o Município de São Paulo, em virtude do art. 191, ficou assegurado, e tão-somente a ele, a continuidade do seu Tribunal de Contas, salvo deliberação em contrário da respectiva Câmara, enquanto os demais Tribunais de Contas Municipais foram declarados, por esse mesmo termo, extintos. O Tribunal de Contas do Município de São Paulo pode ser reorganizado, e
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