Vocês, brancos, são peixes
2018; Volume: 10; Issue: 2 Linguagem: Português
10.52426/rau.v10i2.259
ISSN2175-4705
Autores Tópico(s)Fish biology, ecology, and behavior
ResumoOs brancos são peixes, dizem os Karitiana a respeito dos opok, os não índios – porque saíram de dentro de um rio –, estabelecendo uma conexão entre humanos, animais e espíritos (uma vez que estes, com seus corpos muito brancos, também são associados às águas). Estas são conexões históricas – os brancos, canibais na origem, emergem do rio, atraídos por carne humana assada; nesta apreciação bizarra pela devoração de outros humanos eles se encontram com os psam’em, os perigosos espíritos dos mortos. Mas são também conexões cosmológicas – brancos, espíritos e peixes são seres aquáticos por definição, além de partilharem de uma natureza predatória e deletéria: no caso dos peixes, em função de sua hipóstase, Ora, o trickster traiçoeiro e agressivo que é irmão do criador Botyj. Ora é uma enorme serpente que vive no fundo dos rios e é dona de todas as criaturas que vivem nos corpos d’água. Todos, não índios, espíritos, certos animais aquáticos e Ora, são, a seu modo, ‘bichos’ (kida), criaturas com que o estabelecimento de relações é difícil e que merecem ser aproximadas com cautela. O que acontece, então, quando os brancos sugerem aos Karitiana projetos para a instalação da piscicultura em suas aldeias, ausentes de toda criação doméstica de animais? Este trabalho investiga os múltiplos potenciais descompassos e equívocos – ou diferentes facetas ou atravessamentos de um único e complexo equívoco – colocados em jogo com os projetos para a introdução da criação de peixes nas aldeias indígenas Karitiana no sudoeste da Amazônia brasileira, tendo como ponto privilegiado as visões Karitiana a respeito desses outros ao mesmo tempo engenhosos e temíveis que são os brancos.
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