A igreja no nordeste. Breves notas historico-criticas

1984; Issue: 94 Linguagem: Português

ISSN

2447-861X

Autores

Cláudio Perani,

Tópico(s)

Religion and Society in Latin America

Resumo

Na ocasiao dos 15 anos dos Cadernos do CEAS nao podiam faltar algumas consideracoes sobre a Igreja, uma vez que a nossa revista sempre tratou esse tema procurando apresentar e discutir as novidades e os impasses da pastoral popular. referencia ao Nordeste e inevitavel. Nessa regiao operou-se uma profunda mudanca da Igreja, antes e depois de 1964, influenciam o com isso a pastoral do Brasil inteiro. situacao de extrema exploracao, revelando o abismo existente entre o pequeno grupo da burguesia dominante e a massa dos trabalhadores oprimidos, deve certamente ter contribuido para essa transformacao. Essa situacao reforca a necessidade de participacao comunitaria nas decisoes, de forma articulada com os educadores, como unico caminho para o povo exercer um direito que lhe esta sendo subtraido - o direito a educacao publica e gratuita. As causas sao varias e complexas. Desejamos somente salientar o avanco da Igreja nestes ultimos anos, para depois tecer algumas consideracoes criticas. Sempre houve certa solidariedade da Igreja com os latifundiarios e uma grande preocupacao com o proprio rebanho. Gregorio Bezerra conta nas suas Memorias um problema surgido com o bispo de Pesqueira no ano de 1960: Iniciara-se um periodo de seca e o campesinato pobre do agreste e do sertao entrou a passar fome. O bispo conseguira uma grande quantidade de charque e generos alimenticios (feijao, farinha, milho, leite em po) e ia distribuir os donativos a massa flagelada; mas so queria salvar o corpo dos que ja tinham a alma garantida, isto e, so queria dar alimentos aos que confessavam e comungavam. Isso provocou energicos protestos. Sua Eminencia recuou, mas tratava-se de um recuo tatico, limitado: passou-se a fazer discriminacao na quantidade, de maneira que os catolicos recebiam mais e os nao-catolicos recebiam menos. (...) O bispo de Pesqueira passou a atacar ainda mais furiosamente a liga camponesa e o ‘agente do imperialismo russo Gregorio Bezerra’. Precisamos contratacar e desmascarar o ilustre prelado como instrumento consciente dos latifundiarios.1 Na caminhada, a Igreja abriu-se para o povo e para um ecumenismo abrangente. Pe. Edgar Caricio de Gouveia, vigario de Igarapeba-Pe, afirmava em 1963: melhor a gente estar com as massas do que com um pequeno numero de pessoas poderosas. O pequeno numero vem depois. Mais tarde, em 1968, Pe. Antonio Henrique Pereira Neto, assassinado pela repressao no Recife, da seu depoimento: A minha tarefa basica e a reconciliacao, que deve prescindir da religiao, e levar as pessoas a uma maior autenticidade (...). E uma acao sem manchetes nem fachadas; nao pretendo trabalhar nas cupulas: acredito nas coisas de base (...). Nunca fui escolhido pelo bispo, nem acho isso importante. Fui escolhido pelo povo, os estudantes com quem convivo diariamente (...). Mantenho entre a juventude um contato permanente com pessoas de outras crencas e religioes: protestantes, judeus, espiritas e ateus. missa que celebro e ecumenica; mesmo os que nao sao cristaos se sentem de tal maneira a comungar tambem (...) Os setores de esquerda apenas se opoem aos cristaos que nao tem uma fe comprometida com a vida. Dos latifundiarios para as massas trabalhadoras, de posicoes ferrenhamente anti-comunistas para comportamentos ecumenicos: e uma caminhada de Igreja nao sempre retilinea e homogenea, muitas vezes revelando um movimento pendular com avancos e recuos, mas certamente produzindo novidades concretas que modificaram a presenca da Igreja na realidade nordestina. Exemplo dessa mudanca pode ser considerado o encontro das Comunidades Eclesiais de Base realizado em Caninde-CE, de 4 a 8 de julho de 1983. Apesar de ser um encontro nacional, a presenca nordestina, sobretudo de estados como Maranhao e Ceara onde faz tempo existem as CEBs, foi marcante, revelando uma nova face da Igreja. Esta novidade, sintetizada na famosa frase opcao pelos pobres, consiste numa abertura da Igreja para as massas marginalizadas e, consequentemente, para uma vivencia de fe mais ligada a problematica da justica nas relacoes socio-economico-politicas entre os homens. Em Caninde o povo do campo, das periferias urbanas e das fabricas estava presente, prova concreta de uma caminhada de conversao que nao ficou nos documentos bonitos, mas que conseguiu dar frutos. Reconhecido isso e a partir deste dado de fato, as notas seguintes querem ser mais questionadoras. E conhecida a dificuldade que a Igreja tem em fazer auto-critica. O auto-envolvimento impede tambem aos cristaos comprometidos na pastoral ter, para seu proprio trabalho, o mesmo olhar critico que existe em relacao a Igreja institucional ou a outros movimentos socio-politicos. perspectiva do artigo quer ser a do evangelho: Por que olhas a palha que esta no olho do teu irmao e nao ves a trave que esta no teu?. Para isto pode ajudar uma panorâmica historica limitada ao periodo que imediatamente precedeu a 1964. Naquela epoca lancaram-se sementes que frutificaram mais tarde em direcoes diferentes, mas cujas raizes ja estavam presentes. problematica da Igreja antes de 1964 pode iluminar os problemas que hoje estamos vivendo.

Referência(s)