Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

Cartesius dissoluto

2021; UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS; Volume: 30; Issue: 3 Linguagem: Português

10.17851/2358-9787.30.3.59-80

ISSN

2358-9787

Autores

Danilo Bernardes Teixeira,

Tópico(s)

Linguistics and Education Research

Resumo

No romance Catatau, de Paulo Leminski, uma personagem reconhecível se projeta: Renatus Cartesius, produtor do imenso solilóquio que constitui a totalidade do texto, parece corresponder a René Descartes, o famoso matemático francês do século XVII. Postado sob uma árvore do Jardim Botânico de Recife, entre as lentes de sua luneta e o cachimbo de erva narcótica que vorazmente aspira, Cartesius toma contato com a selvagem natureza brasileira, ainda que (cartesianamente) organizada sob as formas de um jardim zoobotânico. Este artigo pretende investigar, a princípio, o modo pelo qual o romance- ideia de Leminski agencia esse inevitável contraste entre dois Descartes: o Descartes da história da filosofia, autor das Regras para a direção do espírito, e o desregrado Cartesius da situação ficcional engendrada por Leminski. Para realizar tal investigação, este artigo procurou se ater a algumas passagens do romance, com o intuito de checar os modos pelos quais a paródica e carnavalesca figuração de Descartes se baseia em uma anticartesiana dissolução da integridade egoica da personagem, gerando, com isso, muito mais que superficial humorismo. Antes, o artigo defende a hipótese de que, com a dissolução da figura de Descartes, o romance esboça antropofágica reação aos processos coloniais a que o Brasil teria sido exposto, ao longo de sua história. Tal reação, contracolonizadora, se sustenta na medida em que associa o esfacelamento egoico de Cartesius ao impacto causado por uma exuberante natureza que, por sua hiperbólica constituição, não se submete às quadraturas impostas pelo pensamento europeu – de que Descartes se faz emblema.

Referência(s)