Sintomas e síndromes; Prece no Mediterrâneo; O vento
2020; Modern Humanities Research Association; Volume: 36; Issue: 2 Linguagem: Português
10.1353/port.2020.0038
ISSN2222-4270
AutoresAna Luísa Amaral, Margaret Jull Costa,
Tópico(s)Linguistics and Language Studies
Resumo242 Ana Luísa Amaral Sintomas e síndromes Primavera em sintoma repetido. Estão aí outra vez, intrusos na manhã. Não me deixam pensar. O gato quer sair, treme ao vê-los nos ramos a cantar. Preciso de pensar. Silêncio em síndrome. Ruídos de madeira, o tempo a badalar , são dez e meia. Intrusos no meu sono de pensar. Preciso de ar. Mas eles são piores, agora na manhã já levantada, juntaram companhia. É ópera de azul. Um Wagner maior. Navio Real. O enjoo do ar. Preciso de pensar. Mas cantam. Cantam. Canção que não me deixa nem ramo de pensar. Primavera outra vez e todas as manhãs o seu sintoma. O gato em frenesi a tremer mais ao vê-los a saltar de ramo em ramo. É primavera e cantam: ligações ilegais , o ninho em alvoroço. Só um falcão de asa franjada e preta que tem casa aqui perto e que não canta. Só por ele eu podia pensar. Só por ele o meu ar, como um telhado. (E o gato sem ousar-se, viciado, nem exibindo assim, junto à janela, estes sintomas de delirium tremens .) Coisas de Partir (1993), Inversos (Lisbon: Dom Quixote, 2010) 243 Translated by Margaret Jull Costa Symptoms and syndromes Spring on repeat syndrome. There they are again, those intruders on the morning. They won’t let me think. The cat wants to go out, trembling at the sight of them perched on the branches, singing. I need to think. Silence as syndrome. Wood creaking , time tolling, it’s half past ten. Intruders on my sleepy thoughts. I need air. But they’ve grown louder now the day is up and about, they’ve grown in number. An opera all in blue. Wagner in a major key. A Ghost Ship. How cloyingly sweet the air is. I need to think. But they keep singing. Singing. A song that doesn’t leave me a single branch to think on. Spring again and every morning the same spring symptoms. The cat is in a frenzy, trembling ever more to see them jump from branch to branch. It’s spring and they’re singing: illegal liaisons, the nest all abuzz. Only a hawk with black, fringed wings who has his house nearby and doesn’t sing. Only he would allow me to think. Only he could give me air to breathe, a roof. (And the cat still not daring to make the leap, but still, riveted to that spot by the window, revealing clear symptoms of delirium tremens .) 244 Ana Luísa Amaral Prece no Mediterrâneo Em vez de peixes, Senhor, dai-nos a paz, um mar que seja de ondas inocentes, e, chegados à areia, gente que veja com coração de ver, vozes que nos aceitem É tão dura a viagem e até a espuma fere e ferve, e, de tão alta, cega durante a travessia Fazei, Senhor, com que não haja mortos desta vez, que as rochas sejam longe, que o vento se aquiete e a vossa paz enfim se multiplique Mas depois da jangada, da guerra, do cansaço, depois dos braços abertos e sonoros, sabia bem, Senhor, um pão macio, e um peixe, pode ser, do mar que é também nosso Ágora (Lisbon: Assírio & Alvim, 2019) O vento Vinha de fora e não era monção, nem vento norte nem qualquer outro vento conhecido, vento que lhes dissesse podem lutar comigo, podem prever-me de quando em quando as rotas e por vezes até acautelar-me os crimes Este era um novo vento sem dono e de outra aragem, sem deslocação de ar que se soubesse, mas podia, temeram, destruir muito mais que os outros ventos E eles trancaram janelas e fronteiras e cumpriram aquilo que lhes fora ensinado: 245 Translated by Margaret Jull Costa Prayer in the Mediterranean Instead of fishes, Lord, give us peace, a sea of innocent waves, and, once we reach the shore, people who see with their hearts, voices that accept us The voyage is so hard, even the foaming waters wound and boil, and, during the crossing, rise high enough...
Referência(s)