Artigo Produção Nacional Revisado por pares

Clichês baratos: Sexo e humor na imprensa ilustrada carioca no início do século XX

2022; Duke University Press; Volume: 102; Issue: 1 Linguagem: Português

10.1215/00182168-9497642

ISSN

1527-1900

Autores

Elias Thomé Saliba,

Tópico(s)

Urban and sociocultural dynamics

Resumo

O título do livro anuncia que a pesquisa articula, de forma criativa, os dois sentidos da palavra “clichê”, de origem francesa: o primeiro, o processo técnico de impressão de imagens e textos por chapas tipográficas na imprensa; o segundo, estereótipos generalizantes, geralmente expressando racismo, machismo ou xenofobia. Por meio do exame mais particularizado da trajetória do jornal O Rio Nu (1898-1916) e de outros jornais de circulação efêmera no Rio de Janeiro, no período chamado de Belle Époque Tropical (Jeffrey Needell), o livro busca situar a imprensa de teor humorístico e erótico no quadro geral de uma cultura imagética e de entretenimento da mesma época. O estudo fundamenta-se num extenso e variado repertório de fontes, incluindo as imagens e as faixas musicais da época – as quais são, hoje, muito mais acessíveis graças às ferramentas digitais disponíveis, constituindo um manancial importante, sobretudo, para desenvolver um dos argumentos centrais do livro: o de que os clichês compuseram uma cultura visual em estreita conexão com os lugares públicos de diversão noturna, como cafés, concertos, parques de diversões, cinematógrafos, “chopps berrantes”, teatros e diversões de rua no Rio de Janeiro daquela época. Destaque-se ainda o prestimoso trabalho de, mediante legendas e mapas, situar tais lugares no tecido urbano da cidade, possibilitando ao leitor conhecer um pouco da geografia urbana da cidade.O texto, como um todo, consegue historicizar tais clichês e estereótipos, manejando tanto a documentação como as imagens e os sons (e também filmes, cartões-postais e outros suportes), mostrando, sobretudo, o forte impacto da biologia e das ciências naturais – ainda em voga na época – sobre a construção de gêneros e classes tidos como inferiores. Inspira-se ainda nos estudos de Lynn Hunt e Walter Kendrick, que demonstraram, para outros contextos, quanto a pornografia foi parte do processo histórico da crescente acessibilidade de certos produtos e conhecimentos a públicos mais amplos. A pornografia surgiu, portanto, como uma área de batalha cultural e de negociação entre os gêneros e as classes sociais cujos significados não eram intrínsecos: nem opressivos, nem subversivos, mas passíveis de serem situados na singularidade das relações sociais de uma determinada época da história.A obra revela, ainda, que o estilo humorístico dos jornais era menos satírico e mais “malicioso” e “sugestivo”. Apoiando-se na historiografia que buscou historicizar as relações sexuais e a pornografia, examina detalhadamente os tópicos ligados à construção dos gêneros: os homens, com suas hierarquias tácitas, e as mulheres, que também tomaram parte no caleidoscópio erótico e sexual da cidade na mesma época. Desvenda, outrossim, os personagens obscuros que compunham tais cenas – os trabalhadores dos pasquins, encarregados da produção de charges e imagens, nem sempre identificadas ou copiadas de publicações europeias. Entre tais personagens, destaca-se a reconstrução inédita de figuras pouco conhecidas da história da imprensa brasileira, como João Pereira Barreto, que se identificava como J. Brito. Reunindo ainda referências esparsas e de difícil acesso, o livro apresenta um esboço das formas de circulação e recepção de todas essas publicações entre o público urbano do Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de publicação importante, que vem preencher uma lacuna no estudo da imprensa humorística brasileira, particularmente no seu feitio erótico, com originalidade na compilação e na análise das fontes e com uma linguagem acessível aos leitores. Acrescente-se que, no seu formato digital, o livro possibilita ao leitor ouvir as raríssimas gravações da época, provenientes de um tempo anterior ao das gravações elétricas.

Referência(s)