
Before the Flood: The Itaipu Dam and the Visibility of Rural Brazil
2022; Duke University Press; Volume: 102; Issue: 1 Linguagem: Português
10.1215/00182168-9497525
ISSN1527-1900
Autores Tópico(s)Agriculture, Land Use, Rural Development
ResumoO livro de Jacob Blanc é saboroso, leitura agradável e instigante. Aos leitores brasileiros, acadêmicos ou não, e aos estudiosos da realidade social e política do Brasil, Blanc revela um processo desde há muito conhecido. Nos apresenta mais do mesmo. Violência estatal, ganância econômica, discriminação cultural, pobreza crônica, indiferença para com os oprimidos e os excluídos na vida nacional e a sua reiterada invisibilidade nas representações, narrativas e valores individuais e coletivos de uma sociedade regida pela desigualdade extrema. Aos leitores, brasileiros ou não, Blanc revela, com argúcia intelectual, diversificada pesquisa e sensibilidade humana, a dramática penitência imposta aos diferentes segmentos sociais nesta elucidativa investigação sobre uma das maiores usinas para geração de energia elétrica já construídas.O livro carrega uma força ambígua, que agarra o leitor e os interessados na história do Brasil nos séculos XX e XXI. Um Brasil velho, rotineiro, oligárquico, violento e opressivo, secular. Um Brasil querendo parecer jovem e dinâmico, moderno, porém igualmente violento e opressivo, como o fora em processos de modernização socioeconômica em conjunturas passadas – 1870, 1930, 1945 – e o seria em conjunturas posteriores – 1994, 2003, 2016. Em diferentes escalas de tempo, continuidades e rupturas são apanhadas e divididas com o leitor. Em diferentes escalas de espaço, a história do mundo rural na fronteira do Brasil com o Paraguai, de 1950 a 1984, emerge como a história da formação de uma sociedade e de um Estado nacional, construída a ferro e fogo, na consagrada expressão evocada pelo historiador Warren Dean. Ao tratar de Itaipu, a empresa e o lago, a sociedade e a natureza, em suas íntimas imbricações, a pesquisa descortina a moldura da história brasileira.A bucólica paisagem subtropical ergue-se sobre uma terra fértil, de onde brotaram riquezas, antes no interior do solo e agora na superfície das águas do lago que o recobriu. Responsável por 20% da energia elétrica gerada no Brasil, Itaipu ilumina largas avenidas, amplos centros comerciais e elevados edifícios de escritórios, particularmente nas regiões Sul e Sudeste. As placas luminosas nas cidades populosas, capitais e polos regionais, industriais e de serviços, deixaram na escuridão a trajetória e o destino de cerca de 60 mil pessoas que habitavam aquele trecho da fronteira internacional, dois terços delas do lado brasileiro. Blanc as identificou, as iluminou e as colocou em evidência nas rotas e nos percursos que as confinaram, uma vez mais, na invisibilidade social resultante da diáspora de uma gente esparramada em diferentes e longínquos pontos do território brasileiro. Início de uma nova história de vida para indivíduos e famílias, deslocados à força pelos poderes do Estado e da ditadura militar e pela perseverança de estigmas e da discriminação social e cultural contra as populações pobres e indígenas no Brasil. Início de um novo capítulo na longa e monótona história social e econômica deste país.Essa interação dialética do novo e do velho, do antigo e do moderno, do passado e do futuro, do regional e do nacional, faz do livro leitura cativante, de ponta a ponta, capítulo a capítulo. A unidade da história do Estado nacional brasileiro emerge nos cacos da história de diversos episódios, no tempo e no espaço, em que traços estruturais e continuidades são postos em evidência, conferindo renovada inteligibilidade seja ao todo nacional, pelo exame de suas fatias regionais, seja à compreensão destas, pelos traços gerais que irrigam o cotidiano das comunidades locais, territórios físicos e simbólicos. Aqui a pesquisa e a interpretação de Jacob Blanc acendem novas interrogações para o conhecimento histórico. Ao evadir-se da perspectiva das comunidades imaginadas de Benedict Anderson, por exemplo, Jacob Blanc sai em busca daquilo que não foi contemplado pela imaginação política e pelos ideais da nacionalidade no Brasil.Pode-se sugerir que Before the Flood não encontra os pilares apregoados da nação. O livro faz reluzir um traço fundante e fundamental do imaginário nacional no Brasil que não se apresenta nas falas e nos livros, antes revela-se nos silêncios e na negação. Não está na claridade, visível ao olhar, mas invisível, nas sombras do tempo e das localidades rurais. Ao contrário de ambiciosos europeus que, desembarcados nas terras do Novo Mundo, partiram atrás de cidades e lugares imaginários – e por esta razão jamais encontrados –, Blanc examinou uma realidade bastante concreta, de muito concreto, de carne e osso. A ausência do rural no imaginário nacional brasileiro surge como parte integrante deste. A sua invisibilidade social nutriu estigmas e discriminação étnica, social e cultural. Uma nação que superou a ruralidade, eis a persistente comunidade imaginada. Voltamos a ela pelo não imaginado e por um inimaginável lapso que a noção abriga.Tudo muda? No século XXI, o Brasil encontra-se com o mundo rural, o do agribusiness. O novo agro persiste na invisibilidade das comunidades rurais, estraçalhando-as, como revelam as queimadas na Amazônia e no bioma Cerrado, o desmonte das políticas nacionais de meio ambiente e os ataques às terras indígenas.
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