Artigo Produção Nacional Revisado por pares

Moral Majorities across the Americas: Brazil, the United States, and the Creation of the Religious Right

2022; Duke University Press; Volume: 102; Issue: 2 Linguagem: Português

10.1215/00182168-9653843

ISSN

1527-1900

Autores

Daniel Aarão Reis,

Tópico(s)

Religion and Society in Latin America

Resumo

Quando, em outubro de 1988, promulgou-se a chamada Constituição Cidadã, a democracia no Brasil dispunha de horizontes promissores. Nas décadas seguintes, a eleição para a Presidência da República de um sociólogo progressista (Fernando Henrique Cardoso), de um líder operário (Luiz Inácio Lula da Silva) e de uma mulher que participara da luta contra a ditadura (Dilma Rousseff) suscitaria comentários eufóricos: consolidara-se a democracia no Brasil. Enquanto isso, nos círculos acadêmicos, multiplicavam-se os estudos sobre os movimentos de resistência à ditadura. As direitas, suas tradições e programas, organizações e lideranças, pertenceriam a um passado que passara.Entretanto, como um tumor silencioso, agigantava-se um processo que poucos estudavam, muitos subestimavam e a grande maioria simplesmente não desejava ver: a força das direitas conservadoras, entre elas, com caráter de massas, o cristianismo conservador.Benjamin Cowan, remando contra a maré do senso comum, nos oferece um estudo voltado a desvendar a história, as organizações, as lideranças e os programas dos conservadores cristãos. Além disso, os resultados de suas pesquisas nos mostram o papel decisivo desempenhado pelo conservadorismo cristão brasileiro, que, articulado com tendências conhecidas nos Estados Unidos, disseminou pelo mundo e pelas Américas suas ideias, temores e propostas.O conservadorismo cristão, conforme evidencia o livro, tem uma longa história no Brasil, remontando aos anos 1930, sob a forma do integralismo (o fascismo brasileiro). Suas lideranças deixariam claras suas tendências autoritárias ao apoiar e participar, mais tarde, da ditadura do Estado Novo (1937-1945) e da ditadura civil-militar (1964-1979). A esse respeito, registre-se que os arquivos das polícias políticas da última ditadura brasileira revelam uma verdadeira aliança entre os órgãos de segurança, o governo e as propostas cristãs conservadoras (católicas e evangélicas).Nos anos 1950 e 1960, dois bispos católicos, D. Geraldo Proença Sigaud e D. Antônio de Castro Mayer, e uma organização político-religiosa, a Tradição, Família e Propriedade (TFP), se destacaram na oposição política a governos progressistas e aos movimentos sociais reformistas – no plano religioso, na luta contra o aggiornamento da Igreja católica (o Concílio Vaticano II).Já então as prevenções e preconceitos contra outras denominações cristãs e contra os “perigos” do ecumenismo cediam lugar à composição com evangélicos estadunidenses e brasileiros, em nome de uma frente unida contra inimigos comuns: o comunismo e a secularização. Ganhava corpo, assim, um “ecumenismo antiecumênico”, na feliz e irônica expressão de Cowan, do qual seriam manifestações organizativas, entre outras, a Aliança Latino-americana de Igrejas Cristãs (Latin American Alliance of Christian Churches – ALADIC), a Confederação Anticomunista Latino-americana (Latin American Anti-Communist Confederation – CAL) e a Liga Anticomunista Mundial (World Anti-Communist League – WACL). Dessa forma, efetuava-se uma dupla metamorfose, no sentido de propostas e organizações transdenominacionais e transnacionais.O que unia essas diferentes tendências cristãs?No plano religioso, a convicção de que o processo de modernização contribuiria para enfraquecer o sentimento e a emoção dos fiéis, e também a dimensão de mistério, essenciais à religião. Em relação à Igreja católica, lamentava-se a revogação de um conjunto de práticas, envolvendo-se aí aspectos litúrgicos (a redefinição da missa), o recurso ao latim e o uso da batina. Nesse processo de secularização, se enfraqueceriam o sentido de hierarquia e de autoridade; as desigualdades inevitáveis e legítimas; e os valores morais tradicionais, ameaçados pelo hedonismo, pelo gozo dos prazeres terrenos, pela liberação dos costumes sexuais, com ênfase na censura ao comportamento das mulheres e dos gays, cujas ações solapavam as fundações da família monogâmica, base e núcleo da religião tradicional.Politicamente, o comunismo ateu e igualitário, uma obsessão histórica, despertava repulsa e horror. A desagregação da União Soviética e do socialismo na Europa Central, nos anos 1990, não arrefecera desconfianças e medos, inclusive porque seus avatares, entre outros, o Estado onipresente e intervencionista, permaneceram com uma força que era preciso desmistificar. A rigor, o comunismo apenas mudara de forma, substituindo o enfrentamento político frontal por procedimentos camuflados, mais sutis, mas não menos deletérios, conformando novas táticas e estratégias subsumidas num novo processo histórico revolucionário: a guerra cultural.Na luta contra o comunismo e o Estado, abriu-se a perspectiva de uma inusitada aliança com as propostas e os valores neoliberais. Trata-se de uma questão que mereceria, talvez, maior problematização, a ser aprofundada e discutida pelo autor em próximos textos. Mas é fato que alguns segmentos do liberalismo, tradicionalmente comprometido com um programa secular e com a igualdade perante a lei – ideias anti-hierárquicas e revolucionárias quando surgiram, no final do século XVIII – reforçaram, e financiaram, o cristianismo conservador.Apesar do crescimento de sua força e da disseminação de suas ideias, os conservadores cristãos não baixam a guarda: consideram-se cercados, acuados. Perseguindo, sentem-se perseguidos. Na ofensiva, imaginam-se na defensiva, lutando por valores e princípios sempre ameaçados por conspirações inauditas que urge revelar, desvendar e denunciar.Por todas essas características, superando a tradição de subestimação que cercava o objeto, fundamentado numa grande riqueza de fontes – arquivos públicos e particulares, periódicos, correspondências e memórias –, dialogando com uma bibliografia extensa e atualizada, o estudo empreendido por Cowan converte-se, desde agora, numa preciosa e incontornável contribuição à compreensão da força do conservadorismo cristão e do conservadorismo tout court no Brasil.

Referência(s)