Artigo Acesso aberto Produção Nacional

Sí­ndrome de Williams-Beuren: história contada de experiência vivida

2017; Volume: 16; Issue: 2 Linguagem: Português

10.33233/eb.v16i2.993

ISSN

2526-9720

Autores

Ana Lúcia Fernandes Farias Ricci Marques,

Tópico(s)

Williams Syndrome Research

Resumo

Neste Editorial busco apresentar o que considero uma ou mais uma "lacuna" na atenção em saúde em nosso meio – a assistência a portadores de doenças raras e a orientação í famí­lia, seus pais, principalmente. As doenças raras não são tão raras quanto se imagina e em muitos casos o tratamento médico e de outros profissionais não ambiciona a cura.No caso das sí­ndromes genéticas, geralmente o tratamento se limita a cuidados básicos de vida diária e uso de terapias auxiliares/complementares/alternativas, com vistas a melhorar a qualidade de vida dos pacientes, seja no contexto familiar, seja em núcleos sociais a começar pela própria famí­lia e, quando possí­vel, também a escola, clubes e outros espaços públicos.Sou biomédica e enfermeira e mãe de uma criança, hoje com 11 anos, acometida por uma doença rara, a Sí­ndrome de Williams-Beuren. Tenho buscado desde o diagnóstico o que poderia fazer para ajudar meu filho a integrar-se da melhor forma possí­vel í vida social e familiar.Esta trajetória pessoal me levou í pesquisa dos cuidados e terapias auxiliares no tratamento de doenças raras, especialmente das sí­ndromes genéticas, iniciando com uma pós-graduação em psicopedagogia. O passo mais recente foi minha associação ao grupo de pesquisa Nemoreges (Núcleo de Estudos sobre Morbidade referida e gestão em saúde), iniciado e dirigido pela Profª. Dra. Zaida AS Geraldes Soler, no intuito de buscar qualificação acadêmica que encontrar e/ou desenvolver materiais de referência que facilitem a vida dos pais e orientem os profissionais de saúde sobre o melhor procedimento a ser adotado nestes casos.A partir deste ano estou me inserindo como aluna especial na pós-graduação, em ní­vel de mestrado, para aprofundar conhecimentos, desenvolver pesquisas e fazer divulgações sobre tal sí­ndrome, tomando como ponto de partida o crescimento e desenvolvimento de meu filho. Quem sabe o que será possí­vel alcançar... no mí­nimo beneficiarei minha famí­lia, meu filho e outros pais e crianças com doenças raras.Durante o II Congresso Iberoamericano de Doenças Raras, realizado em 2016, na cidade de Brasí­lia, veio í tona a informação de que o número estimado de pessoas com doenças raras no Brasil é de 13 milhões. Este número é maior do que a população da cidade de São Paulo que, segundo dados do IBGE atualizados em 2016, é de 12 milhões de pessoas, sendo considerada atualmente a terceira maior cidade do mundo! Todas estas pessoas se encaixam no conceito adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que indica como doença rara aquela que atinge até 65 pessoas a cada 100 mil indiví­duos, ou seja, apenas 1,3 paciente numa população de 2 mil pessoas. No universo de doenças raras, estão as sí­ndromes genéticas, algumas já bastante conhecidas como a Sí­ndrome de Down e outras que carecem de informação e pesquisa como a Sí­ndrome de Williams-Beuren. Esta sí­ndrome afeta gravemente o desenvolvimento cognitivo, comportamental e motor desde a mais tenra infância e geralmente é acompanhada também de anomalias fí­sicas, sendo mais comuns a mal formação cardí­aca e problemas do trato renal.O nome atribuí­do í sí­ndrome vem de dois profissionais que primeiro identificaram o conjunto de sintomas que caracterizam a doença, os médicos J. C. P. Williams, da Nova Zelândia, e o alemão A. J. Beuren. A sí­ndrome é diagnosticada em laboratório pelo exame de hibridação in situ por fluorescência FISH (sigla inglesa para Fluorescent In Situ Hybridization) ou ainda em consultório pelo fenótipo caracterí­stico: nariz pequeno e arrebitado, cabelo encaracolado, lábios cheios, dentes pequenos e sorriso frequente.A raridade da sí­ndrome faz com que muitos familiares convivam com a doença sem obterem o correto diagnóstico e, em decorrência disto, também ficam sem acesso ao tratamento adequado. É certo que é desconhecido nesta sí­ndrome, assim como em outras doenças raras, aspectos de prevenção e de tratamento que possibilite a cura ou ao menos ações terapêuticas mais efetivas e eficazes. Via de regra o tratamento médico é em ní­vel sintomático, para corrigir ou amenizar os vários problemas de saúde fí­sica que geralmente acompanham os indiví­duos acometidos pela sí­ndrome.Cuidando de meu filho e estudando sobre tal sí­ndrome vivenciei o quanto a fonoaudiologia contribuiu para a redução da ansiedade e também quanto ele aprendeu na verbalização de suas demandas. A terapia ocupacional e fisioterapia também têm contribuí­do fortemente para superar as deficiências no desenvolvimento motor, principalmente na coordenação motora fina, permitindo maior independência no uso de tecnologia (celular, computador); atividades de cuidados pessoais (escovar os dentes, usar o banheiro, pentear os cabelos) e até mesmo na alfabetização. Sem dúvida, os cuidados e as terapias melhoram a qualidade de vida do paciente e da famí­lia, permitindo a inserção do indiví­duo na rotina habitual da famí­lia e o acesso a locais públicos como escola, parques, clubes, shopping e outros.Assim, se ele for estimulado, por exemplo, a comer sozinho (usando talheres, copos e pratos) será capaz de frequentar um restaurante, trazendo um fio de normalidade para a rotina da famí­lia e aumentando a qualidade de vida de todos os envolvidos.No contexto das doenças raras, em que não se ambiciona a cura, a aplicação destes cuidados na infância é de fundamental importância porque irão determinar o ní­vel de independência e adaptação í sociedade que este indiví­duo terá na idade adulta. No caso do meu filho, ele hoje frequenta a mesma escola que os irmãos e está totalmente alfabetizado.Diz o antigo ditado português "o que não tem remédio, remediado está", mas eu ouso discordar para dizer que "aquilo que não tem remédio inspira cuidados", porque nestes casos, os cuidados representam tudo o que o paciente e sua famí­lia têm de concreto em termos de assistência em saúde. Mais, tomo como minha a frase final, considerando a competência (conhecimento, habilidade, atitudes, valores e emoções) que eu como mãe e minha famí­lia desenvolvemos no cotidiano de convivência com nosso filho, portador da sí­ndrome de Williams-Beuren ...Enquanto eu viver, darei sempre o melhor de mim, na esperança de que todos possam ter um futuro melhor. Leobino Filho

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