Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

O que é o urbano na Amazônia contemporânea? Implicações para a vigilância em saúde no bioma

2023; Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; Volume: 39; Issue: 9 Linguagem: Português

10.1590/0102-311xpt129723

ISSN

1678-4464

Autores

Ana Cláudia Duarte Cardoso, Ana Paula Dal’Asta, Antônio Miguel Vieira Monteiro,

Tópico(s)

Health, Nursing, Elderly Care

Resumo

A provocação feita por Bertha Becker 1 em 1995, ao se referir à Amazônia como uma floresta urbanizada, foi um marco.Tratava-se do reconhecimento da Amazônia, por uma voz importante, ativa e não amazônida, como uma fronteira de acumulação capitalista, que era uma fronteira urbana 2,3 .Essa perspectiva emergiu porque a narrativa desenvolvimentista para essa vasta paisagem de floresta tropical era a de um manancial de recursos exploráveis (minerais, madeireiros, energéticos, terras).Tal concepção obscurecia a presença humana anterior ao processo colonizatório.Estudos recentes 4 somam novas e importantes evidências de que muito antes do século XVI a região era pulsante e abrangia pelo menos dez milhões de habitantes, organizados em povos e territórios, a partir do domínio de tecnologias de manejo de solos, águas e biodiversidade.Do ponto de vista da lógica nativa, não existiam grandes aglomerados que se diferenciavam de um entorno produtivo agrícola, mas sim a dispersão dos assentamentos ao longo de rios, separados por gradientes que seguiam da área habitada à roça, ao pomar e à floresta, articulados entre si e com os centros maiores, formando redes que viabilizavam a moradia e a produção.Esse paradigma foi capaz de reorientar a agricultura colonial, mas foi desconsiderado pelo modelo urbano-industrial, que reorganizou, de forma autoritária e cega, as estratégias de urbanização nos territórios brasileiros.A urbanização nativa, que assimilava completamente a floresta, e as especificidades do urbano na Amazônia não só não eram compreendidas como tal, como não estiveram de fato presentes nas agendas nacionais de governos, da academia (fora da região) e do terceiro setor durante a maior parte da história do país.E "o que não está na agenda não existe", ensinava Bertha Becker.A produção de paisagens e os indicadores preocupantes, no contexto da agenda climática e ambiental, e seus reflexos na agenda econômica, decorrentes da imposição de padrões de urbanização segundo a lógica urbano-industrial, oportunizaram a reemergência desse debate.Por outro lado, a esses movimentos de urbanização estiveram intrinsecamente associados os processos saúde-doença.A urbanização alterou a distribuição de doenças de importância para a saúde pública ao longo de gradientes de ocupação em paisagens transformadas.Para as políticas públicas associadas às ações de vigilância e controle em saúde, o uso de definições normativas de "cidade" e "campo" ou de "urbano" e "rural" ajudava a estabelecer distinções entre saúde urbana e saúde rural e, consequentemente, o desenho das ações.A adoção de categorias dicotômicas, para explicar as diferenças no risco de exposição, bem como a prevenção de doenças, parecia ser suficiente, mas não para a Amazônia.

Referência(s)