Artigo Acesso aberto

Entre o homem e o fantasma: Lídia à beira da cama, à beira do mundo. Acima, mulher do povo

2024; Issue: 20 Linguagem: Português

10.11606/issn.2448-1769.mag.2024.223905

ISSN

2448-1769

Autores

Vanessa Didolich Cristani,

Tópico(s)

Arts and Performance Studies

Resumo

O presente artigo propõe uma leitura crítica de Lídia Martins, personagem do romance O ano da morte de Ricardo Reis, de José Saramago, criada do Hotel Bragança, local em que Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, hospeda-se assim que chega a Lisboa. Mulher simples e do povo, subverte a imagem da musa Lídia etérea cunhada por Reis, e o traz à realidade cuja crueza eles não escapam. Ele, porque perde a capacidade de produzir raciocínio; ela porque simplesmente é mulher, e como tal, carrega os costumes preconceituosos produzidos historicamente e estão atrelados ao sistema vigente de Portugal. O trabalho utiliza a abordagem histórica realizada por Silvia Federici (2017) sobre a nascente da misoginia, atrelada ao catolicismo e ao capitalismo, conceito empregado durante o governo do ditador António de Oliveira Salazar, que o aplicava através de uma visão essencialista, onde à mulher cabiam as tarefas do cuidado com o lar, como vocação. À esta visão a pesquisa atém-se aos estudos de Pierre Bourdieu (2016), que a analisa como a naturalização da dominação masculina, advinda historicamente dos pensadores clássicos, detentores do saber. Ricardo Reis é discípulo desta epistemologia, e está embrenhado em labirintos, que se aludem à multiplicidade pessoana, da qual o autor tece em ironias. À brincadeira de Saramago abordar-se-á os pensamentos de Tzvetan Todorov (1980) para ilustrar o fantástico dentro do texto criado pelo autor português. Saramago nos convida a caminhar pelos labirintos de Lisboa onde todos os caminhos levam a Luís de Camões, reencontro com uma história que parece insolúvel em meio ao regime totalitário de Salazar. Enquanto todos são fantasmas, estão mortos e incapazes de pensar, Lídia é figura real, personificação do feminino, e que sobrevive por meio à sabedoria.

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