O Vale de Tempe no Grego e no Latim
1967; University of Lisbon; Volume: 1; Linguagem: Português
10.1484/j.euphr.5.127491
ISSN2736-3082
Autores Tópico(s)Ancient Mediterranean Archaeology and History
ResumoI. Entre os vales a que se referem os escritores gregos e romanos, o mais célebre é o vale tessálico de Tempe, que deve o seu renom e sobretudo aos dois grandes dons que a natureza lhe ofereceu - formosura e amenidade -, mas também à mitologia e à história. Ê ele para os Antigos o vale por excelência. Como tal, merece que o seu nome seja estudado sobos principais aspectos que apresenta no grego e no latim. II. i. Quanto ao grego, importa, antes de mais, considerar a etimologia do «plurale tantum» Τέμπεα-Τέμπη. De várias hipóteses formuladas, parece merecer preferência a de Kretschmer: o topónimo teria origem numa raiz tem- ou temp- acortar»; estaria, portanto, relacionado com o verbo τέμνω (ideia, afinal, já perfilhada por antigos classicistas); e seria assim designação bem adequada a um vale «profundamente escavado entre montes rochosos». De qualquer modo, deve representar *Τεμπεσ-α, plural, tornado topónimo, dum primitivo *τεμπoç, de tema -σ-. 2. Τέμπεα-Τέμπη, nominativos-acusativos, apresentam flexão incompleta : correspondem-lhes, respectivamente, Τεμπέων e Τεμπῶν, formas de genitivo, mas faltam-lhes formas de dativo (o que há é uma forma especial, usada por Calimaco, para a expressão do lugar donde: Τεμπόθεν). Em contrapartida, para o nome comum que anda associado à história de Τέμπεα-Τέμπη, isto é, para τέμπεα-τέμπη, há exemplos de dativo: se não h á τέμπεσσι(ν), que corresponderia a τέμπεα , há τέμπεσι(v ), que corresponde a τέμπη. Mas o topônimo tem mais derivados que o nome comum : deste apenas veio τεμπώδης (correccão ortográfica do Τεμπώδης de Liddell-Scott), ao passo que daquele vieram Τεμπείτᾱς, Τεμπικός e Τεμπίς. 3. Quanto ao uso literário de Τέμπεα-Τέμπη, é Heródoto o autor que primeiro o documenta, num passo de vii, 173. Falta, porém, a este passo, simples descrição dum evento militar, a beleza literária que outros hão-de ter: p. ex ., dois trechos de Calimaco - um do hino «A Delos» e outro duma composição jámbica - e também alguns de prosadores, como Plutarco e Eliano. Mas, se de facto interessa literàriamente o topónimo designativo do «vale por excelência», não tem menor in teres se literário o nome comum que dele proveio, τέμπεα- -τέμπη, nome designativo de «vale ameno» ou de «lugar rústico aprazível» e que, assim entendido, constitui elemento caracte rístico dum dos τόποι incluídos no magistério dos retóricos. É como típica expressão de «locus amoenus» que τέμπεα aparece em Teócrito, num passo do «Tírsis», e depois em versos de Opiano, de Nono de Panópolis, de Dionísio- -o-Periegeta; é com valor igual que τέμπη ocorre num trecho epistolar de Filóstrato e até, séculos antes, numa carta de Cícero a Ático. III. i. Transplantados para o latim, o nome grego do Tempe e o substantivo comum que lhe está associado recebem ambos uma única forma normal: Tempē e tempē (esta muitas vezes confundida na grafia com aquela), que são reproduções directas, respectivamente, de Τέμπη e τέμπη e, claro está, de acordo com a origem, «pluralia tantum». Quer isto dizer que não foram preferidas para latinização normal, apesar da sua maior antiguidade e tradição literária, as formas gregas Τέμπεα e τέμπεα, o que porventura se deveu à poesia, a uma conveniência métrica, porquanto Tempē e tempē, precedidos de epíteto, cora facilidade proporcionavam finais de séries dactilica (---). Ê excepcional o emprego da forma tempea, reprodução de τέμπεα, da qual (erròneamente e scrita Tempea por editores, comentadores, lexicógrafos) apenas dão exemplo Pentádio e Solino. Quanto a flexões, faltam a Tempē e tempē, que são nominativos-acusativos (um exemplo único de tempē como vocativo ocorre na Appendix Vergiliana), formas de genitivo e de dativo-ablativo ; quanto a derivados, nen hum a dessas palavras os possui, ao contrário das gregas. 2. Literàriamente, os dois temas que o vale de Tempe originou - a celebração dele próprio e a celebração, por analogia, doutros locais igualmente deleitosos - recebem, mediante o topónimo' Tempē e o nome comum tempē, largo acolhimento em la tim (ao que parece, por influência inicial da poesia alexandrina e sobretudo dos primaciais modelos de Calimaco e Teócrito). Os Romanos até vão mais longe que os Gregos, apresentando no tratamento de cada um desses temas uma variedade de referências que não tem par na literatura helénica. Memoram o vale de Tempe, com grande abundância de aspectos (notas paisagísticas, notas mitológicas, associação de mitos à paisagem, etc.), Catulo, Horácio, Ovídio, Lucano, Séneca, Valério Flaco, Es tá cio, Columela, Claudiano, entre os poetas (Virgílio refere- se ao Tempe, mas chamando-lhe Peneia tempe, «vale do Peneu»); Tito Livio, Séneca, Plínio-o-Velho, Pompónio Mela, Floro, Elio Esparciano, entre os prosadores. Memoram outros vales amenos, com ou sem concretização toponímica, e fazem-no com bem diversas cores, vários dos mesmos poetas que o Tempe celebram pelo próprio nome, como Catulo, Horácio, Ovídio, Séneca, Estácio, mas também Virgílio e um dos autores da Appendix Vergiliana. 3. Ao interesse literário de Tempē e tempē acresce o interes se suscitado por particularidades da sua inserção na frase latina. Por um lado, há a considerar o emprego e o não emprego de epítetos como qualificativos daque las palavras, sendo de assinalar a frequênçia que a forma epitética toma em latim, em contraste com o grego, e também a variedade das suas características; por outro lado, há a considerar a colocação de Tempē e tempē, a qual, em seus pormenores, perm ite surpreender o en genho com que os autores latinos integram na frase palavras pertencentes a uma declinação exótica. IV. Sob a influência das cores linguístic as e literárias que lhe deram os escritores romanos, mormente os poetas, o vale de Tempe revive no latim medievo e ainda no latim de épocas posteriores. Volta a brilhar na sua mesma clássica imagem ou a influir na pintura doutras: agora, surge no francês Foulque de Beauvais ou n um anónimo germânico (Carmina Burana); depois, em poetas do Renascimento, como os italian os Bonfadio e Castiglione, ou de tempos imediatos, como o flamengo Sidronius Hosschius. E no longo cortejo de cantores do Tempe não faltam os humanistas portugueses do período áureo: entram nele Henrique Caiado e Inácio de Morais, embora, de forma inesperada, para celebrarem paisagens que, segundo eles, os Thessala Tempe não conseguiriam igualar. Simples hipérbole poética, já se vê, que apenas serve para confirmar o antigo e tradicional prestígio literário do mais célebre dos vales.
Referência(s)