Artigo Revisado por pares

O retorno à antropofagia

1999; Volume: 12; Issue: 23-24 Linguagem: Português

10.1353/ntc.1999.0028

ISSN

1940-9079

Autores

Benedito Nunes,

Tópico(s)

Linguistics and Education Research

Resumo

O RETORNO AANTROPOFAGIA _________________BENEDITO NUNES__________________ Universidade Federal do Para A Antropofagia, que transportou para o campo das idéias políticas e sociais o espirito de insurreiçâo artística e literaria do Modernismo, teve um estilo de açâo —a agressividade verbal sistematizada, que revelam as descomposturas , os ataques pessoais, as frases-choque, os proverbios e fábulas, publicados nos 15 números da Revista de Antropofagia (2a. fase), entäo sob o controle exclusivo do grupo que Oswald de Andrade liderava. Afetando o desprezo dadaísta pela üteratura, mas usando a literatura como instrumento de rebeliäo individual, à maneira dos surrealistas, os nossos antropófagos foram críticos da sociedade, da cultura e da historia brasileiras. Ideológicamente , eram contra as ideologías; opunham, segundo a fórmula do Manifesto de 28, que se insurgía contra as idéias "cadaverizadas", a liberdade individual ao dogma e a existencia concreta ao sistema. Em declarado confuto com os padrees de comportamento œletivo, os antropófagos chegaram ao problema político pelo ideal utópico da renovaçao da vida em sua totalidade . Oswald de Andrade conservaría, durante o período de sua militância político-partidaria, como adepto do marxismo, o estilo de açâo do movimento antropofágico que ele abjurou no famoso prefacio de Serafim Ponte Grande . Nos seis números do jornal O homem dopovo —aparecido em 31, e que já pertencem a esse período, ressurgem as frases-choque, as provocacóes zombeteiras, as cenas satíricas, que prolongam a violencia verbal da extinta Revista. A rebeldía do homem natural, mito forjado pelo movimento antropof ágico, é a linha de pregaçâo revolucionaria do escritor convertido em "casaca de ferro" do proletariado. Mas com esse estilo de açâo, que acompanhou , vida afora, a atividade do poeta, subsistem ainda, como a arder em fogo brando, as idéias daquele movimento, mesmo depois do anatema lançado sobre aquele de seus romances, Serafim Ponte Grande, que melhor as representava. Salvo A éscada (1934), em que Jorge de Alvelos se converte, depois de liquidar suas últimas ilusöes románticas, num servidor do povo, e a A moría (1937), denuncia do ersatz burgués do sexo, as outras producóes oswaldianas do período que se estende até 1946, reincorporam, asmo O rei©1999 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. XII No. 23/24, Enero a Diciembre 1999 232_____________________________________________________BENEDITO NUNES da vela (1937), e O homem e o cávalo (1934), a substancia ética e estética do Manifesto de 28, ou reconsideram-no, como Chäo (1945) e Ponto de lança (1945), de maneira crítica e objetiva. No meio do movimento modernista apareceu alguma coisa tâo rica e täo fecunda que até hoje admite varias interpretaçôes, diz um dos personagens do Chäo, referindo-se à Antropofagia. O que parece enigmático, aqueles que a discutem nessa cena do romance, é que a Antropofagia, potencialmente aberta à exaltaçao da força, à barbarie técnica e a Hitler, tenha levado os seus adeptos à doutrina marxista. Oswald já se manifestara surpreso diante do mesmo fato, ao dizer, em 1943, numa entrevista a Justino Martins, que a posiçâo assumida em 28 "me jogou para o lado esquerdo, onde me tenho conservado com inteira consciencia e inteira razäo". Desde ai ele verá na Antropofagia o divisor de aguas político do Modernismo. E precisando esse juízo, na conferencia "O caminho percorrido ", que pronunciou um ano depois em Belo Horizonte, já poderia Oswald, recapitulando a sua experiencia passada e integrando-a à historia do Modernismo , afirmar que a Antropofagia (...) foi, na primeira década do modernismo, o ápice ideológico, o primeiro contato com a nossa realidade política porque dividiu, orientou no sentido do futuro .2 A simpatía por esse episodio, a que se atribuí no processo do modernismo brasileiro, o relevante papel de diferenciador político, que descompartimentou a atividade literaria e artística, pondo-a em conexäo com a existencia social como um todo, vem substituir a repulsa contra o "sarampäo antropof ágico", alardeado no prefacio de Serafim Ponte Grande. Mas Oswald de Andrade ainda nos fala do assunto...

Referência(s)